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sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Veja


Veja é uma revista semanal brasileira, lida por milhões de pessoas. Ler a Veja é indispensável para conhecer o abc da actualidade brasileira. Como é uma das melhores revistas do mundo, a Veja tem disponível no seu site abundante informação sobre a II Guerra Mundial, na qual o Brasil participou, com tropas que combateram ao lado dos americanos em Itália.

Porque a revista ainda não existia em 1940, a Veja voltou atrás no tempo, e em edições digitais, conseguiu acompanhar, retroactivamente, a devastadora guerra. Segue-se, pois, a reprodução integral da entrevista dada pelo formidável Winston Churchill à Veja, publicada em Junho de 1940, mês em que a Franca pasmou o mundo rendendo-se à Alemanha. A Blitzkrieg parecia invencível, Hitler estava eufórico, julgando que em breve os ingleses pediriam paz. Enganou-se: havia Churchill a liderar uma nação orgulhosa, corajosa, confiante e capaz.


«Nunca houve tanta diferença entre dois inquilinos do número 10 de Downing Street. Até o início do mês passado, a célebre residência dos primeiros-ministros britâncos era ocupada por Neville Chamberlain, o homem que confiou na palavra de Adolf Hitler e anunciou ter conseguido "paz para o mundo" - tolice que já assegurou lugar cativo na antologia da ingenuidade humana. Em 10 de maio, porém, o pato deu lugar ao buldogue. O veterano Winston Spencer Churchill, a quem o Führer se refere como "devorador de alemães", foi apontado pelo rei George VI para liderar o novo governo - e, de quebra, ficou também com o Ministério da Defesa. Aos 65 anos, o carismático político é sem dúvida o homem mais talhado para ambas as funções. Em poucos dias, "Winnie" conseguiu não só unir ferrenhos adversários políticos num governo de coalizão como também, por meio de seus discursos arrebatadores, motivou toda a nação a engajar-se na chamada Batalha da Inglaterra. Nesta entrevista a VEJA, Churchill afirma ter certeza da vitória na guerra - segundo ele, travada por um ideal acima de tudo. "Lutamos para salvar o mundo da pestilência da tirania nazista, fascista e comunista, e em defesa de tudo aquilo que é mais sagrado para o homem."

"Sem a vitória não haverá a sobrevivência. Estou certo:a nossa causa não perecerá."

VEJA - Polônia, Noruega, Bélgica, Holanda e França já sucumbiram à fantástica máquina de guerra alemã. A Grã-Bretanha será a próxima?

Churchill - Não. É certo que temos diante de nós uma provação das mais dolorosas, longos e longos meses de luta e sofrimento. Mas se você me perguntar qual é o nosso objetivo e nossa esperança, eu posso responder em uma palavra: vitória. Vitória, custe o que custar, apesar de todo o terror; vitória, não importa quão longa e pedregosa seja a estrada. Porque, sem vitória, não haverá sobrevivência. Tenho certeza que nossa causa não perecerá entre os homens. Neste momento, me sinto na obrigação de pedir apoio a toda a população, e dizer, "é agora, vamos em frente, unidos em toda nossa força".

VEJA - Seus discursos estão sem dúvida unindo o povo, mas alguns especialistas não sabem até que ponto a população está pronta para a guerra na ilha. Quais as medidas que estão sendo tomadas para preparar a nação para a chamada Batalha da Inglaterra?

Churchill - Não podemos nos esquecer que, a partir do momento que declaramos guerra, em setembro do ano passado, sempre foi possível que a Alemanha direcionasse sua força aérea para nosso país, junto com outros mecanismos de invasão que ela pudesse conceber. Portanto, temos vivido sob esse perigo durante todos esses meses - claro, de uma forma diferente. Nesse meio tempo, já melhoramos nossos métodos de defesa, especialmente na parte aérea, pois o piloto britânico tem uma superioridade definitiva e incontestável. Analisando o cenário com neutralidade, eu vejo motivos para intensa vigilância e esforço, mas não para pânico ou desespero, de forma alguma.

"Lutamos para tirar do mundo a pestilência da tirania nazista, defendendo tudo que é sagrado."

VEJA - Mas há motivo para confiança na vitória?

Churchill - Acredito que nossos cidadãos se mostrarão capazes de encarar o inimigo, como os bravos homens de Barcelona, e continuarão sua vida apesar das ameaças - no mínimo da mesma forma que qualquer outra nação no mundo. Isso será de vital importância; cada homem e cada mulher terá a chance de mostrar as melhores qualidades de sua raça, e prestar o maior serviço a sua causa.

VEJA - Nesse cenário, qual a importância do êxito da Operação Dínamo, popularmente conhecida como a Retirada de Dunquerque, para a afirmação militar e moral dos britânicos?

Churchill - Fundamental. Dunquerque foi um grande teste entre as forças aéreas britânicas e alemãs. Você consegue conceber um objetivo maior para os aviões germânicos do que tornar a evacuação daquelas praias impossível e afundar aqueles navios que chegavam aos milhares para o resgate? Eles tentaram, mas foram repelidos, tiveram seus planos frustrados. Nós conseguimos retirar nosso exército, e eles pagaram quadruplicado por cada perda que nos infligiram. Claro que esse triunfo não pode nos cegar para o fato de que o que aconteceu na França e na Bélgica foi um colossal desastre militar. Mas ele nos dará mais forças para lutar contra o nazismo. Certa vez, disseram a Napoleão: "Há muitas ervas daninhas na Inglaterra." Bem, certamente agora há ainda mais, com o retorno da Força Expedicionária Britânica para casa.

VEJA - Discursos à parte, em que pé está, realmente, a Grã-Bretanha na guerra?

Churchill - Bem, podemos nos perguntar: de que forma nossa posição piorou desde o início da guerra? Piorou pelo fato que os alemães tomaram grande parte do litoral da Europa ocidental, e alguns países pequenos foram conquistados por eles. Isso agrava a possibilidade de ataques aéreos, além de causar maior preocupação à nossa Marinha. Mas isso não diminui a força de nosso bloqueio de longa distância. Pelo contrário, definitivamente aumenta esse poder. Da mesma forma, a entrada da Itália na guerra aumenta o poder dos bloqueios, porque com ele controlamos a possibilidade de qualquer infiltração. Com a resistência militar na França chegando ao fim, claro que os alemães estarão aptos a concentrar suas forças, tanto militares quanto industriais, contra nós. Mas, como eu disse na Câmara dos Comuns, eles verão que não será fácil. Se a invasão está se tornando mais iminente, o que sem dúvida esta acontecendo, nós, livres da tarefa de manter um grande contingente na França, temos de longe mais e melhores forças para encarar o inimigo.

VEJA - Por falar em inimigo, o que o senhor tem a dizer sobre Hitler, Stalin e Mussolini e as ideologias que eles representam?

Churchill - Estamos engajados numa guerra contra a tirania de Hitler, uma tirania monstruosa, jamais ultrapassada no sombrio e lamentável catálogo de crimes contra a humanidade. Estamos engajados em uma guerra contra o comunismo de Stalin, um comunismo que, como todos podem ver, apodrece a alma de uma nação, fazendo-a abjeta na paz e abominável na guerra. Estamos lutando para salvar o mundo da pestilência da tirania nazista, fascista e comunista, e em defesa de tudo aquilo que é mais sagrado para o homem. É sempre conveniente recordar que a guerra que travamos não é uma guerra por domínio territorial ou ganho material; não é uma guerra para roubar a luz do sol e as formas de progresso de um país. É uma guerra, vista em sua característica mais inerente, para solidificar, em pedras inexpugnáveis, os direitos individuais, e para estabelecer definitivamente a magnitude do homem.

"Chegará o diaem que os sinos do júbilo tocarão de novo por toda a Europa. É uma busca pelo bem."

VEJA - Entretanto, a Câmara dos Comuns britânica, desde o início da guerra, votou dezenas de emendas que cercearam diversas liberdades individuais, transferindo-as para o Executivo.

Churchill - Sim, pode parecer um paradoxo o fato de que uma guerra lavrada em nome da liberdade e dos direitos tenha de requerer, como parte de seu processo, a renúncia temporária de tantas liberdades e direitos. Mas temos certeza de que essas liberdades estarão em mãos que não abusarão delas, que não a usarão com propósitos de classe ou partido. Essas mãos devem valorizá-las e guardá-las cuidadosamente. Estamos ansiosos para que chegue logo o dia em que nossas liberdades e direitos nos sejam devolvidos. E quando, também, poderemos dividi-los com os povos para quem essas bênçãos são desconhecidas.

VEJA - Fora da Grã-Bretanha, especialmente nos países da Europa continental, há um enorme sentimento de derrotismo, e até mesmo de irreversibilidade dos acontecimentos. Muita gente acredita que essas liberdades e direitos que o senhor menciona jamais serão recuperados. Enfim, a Europa está desiludida. É possível reverter esse cenário?

Churchill - Naturalmente. Mais uma vez, digo que não podemos subestimar a gravidade e a dificuldade dessa tarefa que temos pela frente. Podemos esperar muitos desapontamentos e muitas surpresas desagradáveis. Mas tenho certeza que a tarefa que aceitamos por livre e espontânea vontade não está além da força e do alcance do Império Britânico. Estamos decididos a não retroceder nem desviar do caminho nessa busca pelo bem comum. Exorto as cidades de Praga, de Varsóvia, de Viena, de Paris a banirem o desengano mesmo no ápice de sua agonia. Sua libertação é certa. Chegará o dia em que os sinos do júbilo tocarão de novo pela Europa. Um dia em que nações vitoriosas, mestras não apenas de seus inimigos mas de si próprias, planejarão e construirão, alicerçadas na justiça, na tradição e na liberdade, uma mansão de muitos cômodos, onde haverá espaço para todos.»

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