Transcrevo duas cartas enviadas por Humberto Delgado a Oliveira Salazar. As razões que levaram o general a candidatar-se à presidência da República e prometer demitir Salazar nunca serão completamente conhecidas e esclarecidas. As cartas ainda não foram aproveitadas pela historiografia, que tem preferido, salvo uma ou outra excepção, omitir ou apenas muito sumariamente lembrar as actividades do general anteriores a 1958. As cartas são precioso testemunho que não pode ser apagado.
Carta de 24 de Maio(?) de 1952, Torres Novas
«Senhor Presidente
Com o falecimento do almirante Mesquita Guimarães abre-se o lugar de governador do banco de Angola e a V.Excª pediria o obséquio de se dignar considerar-me entre os candidatos se não fôra chegar-me aqui a notícia de que o Dr. Marcello Caetano - já naquele banco - deseja o lugar.
Porém, se assim foi, abrir-se-á o lugar de Comissário do Governo junto do banco, e então para esta vaga eu solicitaria a V. Excª - com quem tive a honra de trabalhar de perto e me conhecerá - o favor de me considerar candidato, com base não só no que V. Excª saiba das minhas capacidades ou préstimos, mas ainda no facto de por mais que me apague e esconda não ser fácil viver a vida simples de uns tantos milhares de camaradas, oficiais, aguns até sem curso superior, mas que o galão alinha no mesmo soldo.
Agradecendo penhorado o interesse que possa merecer-lhe, rogo a V. Excª aceite a expressão dos meus respeitosos cumprimentos.»
Carta de 16 de Agosto de 1955, Washington
«Senhor Presidente
Findará em breve a minha comissão aqui.
Sinto que à chegada a Lisboa serei lançado para obscura posição de tipo que não conheci nas escolas, nem na competição objectiva em serviço.
É lei da vida para alguém, expressa no vale mais cair em graça. Ora eu não posso passar à reserva por falta de idade ou doença bastante; menos posso pedir a demissão de oficial da força armada, com família como tenho, dispondo dos meus meios de alferes de há 29 anos - além de que o momento não seria adequado.
Sucede, senhor presidente, que amigos de Lisboa e de além-mar me aconselham a apresentar a candidatura aos cargos de governador-geral de Angola ou Moçambique que, informam, é possível vaguem brevemente.
Assim faço dirigindo-me ao senhor ministro do Ultramar. No entanto, como V. Excª foi um dos ministros que poude apreciar o meu trabalho de organização e entusiasmo em diversos cargos - uns 4, dos quais 3 em acumulação com o serviço militar, e todos com as altas dificuldades objectivas e pessoais inerente à montagem de organismos novos, partindo do nada, ouso solicitar o interesse de V. Excª e a oportuna informação.
Junto algumas notas biográficas.
Os meus respeitosos cumprimentos»