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quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Salazar visto por Marcelo Mathias

Marcelo Mathias foi durante a sua vida funcionário do MNE. Foi cônsul no Rio de Janeiro, chefe da Repartição de Negócios Políticos, embaixador em Londres, ministro dos Negócios Estrangeiros. Elaborou, aos 36 anos, o projecto do Pacto de Amizade e Não Agressão entre Portugal e a Espanha, assinado em Março de 1939. Elevou-se da base ao cume da hierarquia, graças à sua inteligência, dedicação e patriotismo. Como Salazar apreciava colaboradores competentes que o pudessem auxiliar na governação, Marcelo Mathias colaborou naturalmente com Salazar. Foram muitas as horas de trabalho comum e muitas as preocupações partilhadas, norteadas pelo propósito de defesa dos interesses permanentes de Portugal. Salazar, em noite de enorme tensão diplomática, "levou-me então para uma sala contígua ao seu gabinete de trabalho e sugeriu-me com grande afabilidade que me deitasse num divã ali existente a fim de repousar por uns momentos, tendo ido buscar pessoalmente uma manta para eu me cobrir."
Depois deste episódio, ficou selado o destino das relações entre os dois. Ambos sabiam que podiam contar com o outro, ambos sabiam que poderiam continuar a trabalhar em conjunto.
Em 1984, Marcelo Mathias publicou a correspondência que durante mais de 20 anos manteve com Salazar. É dessa obra que se extrai o que se segue:


"Salazar conhecia bem os assuntos de Estado devido à sua longa permanência no Governo e a sua capacidade de trabalho e a sua competência levavam a maioria dos seus colaboradores a ter a tendência de de submeter à sua consideração os assuntos mais importantes nas respctivas esferas de acção. No entanto, no trato quotidiano e nas relações de trabalho, Salazar estava longe de ser uma natureza autoritária. Ouvia com atenção o que se lhe dizia, mostrando-se receptivo para os pontos de vista dos seus interlocutores quando estes pela sua lealdade e sensatez lhe mereciam confiança. Admitia opiniões discordantes das suas desde que os argumentos invocados em sua justificação lhe parecessem fundamentados, e fossem apresentados com o tacto necessário quando se pretende discordar de alguém que mereça o nosso respeito. Nos anos em que colaborei com ele, nunca fez junto de mim qualquer pressão ou manifestou um empenho que acarretasse uma limitação da plenitude de autonomia que eu possuía no exercício dos meus cargos. Também gostava de pôr à prova os seus colaboradores.
Inicialmente, Salazar revelava a quem era chamado a trabalhar com ele um carácter porventura excessivamente severo e austero, pouco propício a manifestações de simpatia e apreço, sendo muito parco no plano do adjectivo lisonjeiro e de uma grande avareza em referências elogiosas.
A maior parte das pessoas, intimidadas pelo enorme prestígio de que ele gozava, aproximavam-se dele já embaraçadas, perdendo por vezes algumas faculdades que as tornavam mais marcantes nos seus meios, pelo que tive ocasião de ver muitas que desfrutavam da reputação de serem personagens notáveis saírem junto de Salazar como que reprovadas. Tratava-se de uma espécie de exame a que eram subetidos os seus colaboradores, mesmo eventuais, podendo dizer-se que os outros estavam em exame permanente. Era muito ingrato, fazer diante de Salazar, uma afirmação estatística de ânimo leve, citar arbitrariamente números, porque ele inquiria logo quais os elementos em que se baseava essa avaliação e perdia rapidamente a consideração pelo interlocutor se este não estava em condições de demonstrar a proibidade do seu fundamento. Num país de afirmação fácil como o nosso, onde se fazem, tantas vezes, declarações grandiloquentes ou superlativas, talvez sem má intenção mas por excesso de imaginação, a objectividade magistral e as exigências de lente universitário de Salazar levavam muitas pessoas a sentirem a consciênciaincómoda da reprovação incorrida numa audácia inútil e comprometedora. Para Salazar a leviandade e a gratuitidade das afirmações eram impossíveis e detestava as naturezas categóricas e dogmáticas.
Era no fundo um tímido que se refugiava num aparente olimpismo nas cerimónias públicas para afastar um certo número de impertinentes, mostando-se avesso às demosntrações mundanas e sociais bem como às manifestações de entusiasmo público cuja precaridade e versatilidadenão ignorava. Não aceitava convites para jantares ou para festas e sustentava que se frequentasse os salões mundanos perderia grande parte da independência de acção quando chegasse o momento de tomar quaisquer deliberações susceptíveis de afectar pessoas ou interesses que estivessem por detrás desses convites . A timidez de Salazar explica algumas das suas atitudes que foram objecto de críticas, como facto de muitas vezes exonerar os ministros por carta, tendo estado pessoalmente com eles nesse mesmo dia sem se referir ao assunto. Nesse tipo de cartas Salazar invocava que não queria abusar da dedicação e do esforço de que o destinatário dera já mostras na governação do País, e utilizava fórmulas amáveis e corteses pare dispensar os serviços e a colaboração de quem ele considerasse haver esgotado qualidades para continuar a exercer funções."