Muita gente, porque não tem os necessários conhecimentos e porque ainda não se deu ao trabalho de fazer a reflexão, ignora ou menospreza, a verdadeira dimensão da
grande tragédia portuguesa do século XX. A tragédia foi a chamada "
descolonização", isto é, o abandono dos territórios ultramarinos portugueses e a sua entrega a organizações de guerrilheiros que não representavam as populações, e que eram financiados e armados por poderosos Estados, como a União Soviética, a China e os Estados-Unidos.
Convém lembrar duas verdades simples e essenciais sobre o Ultramar português: eram territórios que conheciam um
formidável desenvolvimento económico e social; e a sua
bem sucedida defesa militar ajudara a economia e fortalecera o portuguesismo dos seus habitantes.
Em 1974, Angola e Moçambique eram regiões militarmente controladas, isto é, não havia a menor possibilidade de a soberania portuguesa ali cessar por derrota militar. Não faltavam, pois, todas as condições políticas e materiais para
continuarem a ser terras portuguesas dotadas de crescente autonomia administrativa e financeira.
A guerra não impediu a construção de milhares de quilómetros de estradas e de linhas férreas; não impossibilitou a construção de milhares de pontes, barragens, escolas e hospitais; a guerra não dificultou o aumento da produção agrícola e não prejudicou o aumento da produção industrial; a guerra não impediu o crescimento urbanístico das cidades e não dificultou a explosão do pequeno comércio e dos serviços. Isto, que é imenso, não é falsa propaganda: decorre apenas da rápida consulta de algumas estatísticas oficiais que qualquer pessoa facilmente localiza.
Como sugestivamente disse um bravo militar, o comando Francisco Van Uden, a propósito da sua passagem por Angola em 1971, havia ali "
uma vitalidade enorme, uma multirracialidade vivida por todo o lado," e
" Luanda era uma cidade fantástica e as pessoas estavam todas com optimismo na cara."Isto não significa que não que não houvesse dificulades e que não houvesse a necessidade de aperfeiçoamento constante e de trabalho contínuo. Ou que não houvesse quem muito tivesse sofrido: morreram no Ultramar mais de 3.000 portugueses em combate e muitos mais saíram da guerra com a recordação perene de experiências traumatizantes. Voluntários ou constrangidos pelo serviço militar obrigatório, quase todos deram o melhor de si, quase todos cumpriram o seu dever, tomassem eles o dever por necessário ou injusto. Morrendo, mantendo-se vivos e auxiliando camaradas, serviram Portugal, literalmente,
com sangue, com suor e com lágrimas.
Tudo isto -
o desenvolvimento económico,
o futuro promissor,
os sacrifícios dos militares - deveria ter obrigado a classe política que ocupou o poder após o 25 de Abril a um estudo sério sobre o problema ultramarino. Um estudo que envolvesse especialistas técnicos, que ouvisse os representantes das populações, que não ignorasse sindicalistas, empresários e altos quadros da administração pública. Um estudo rigoroso que tivesse tido em consideração as aspirações e as opiniões de todos. Sabemos que tal
estudo não foi feito. Sabemos o que se passou. Sabemos, e passados 30 anos, ainda magoa e pasma como foi possível
tanta irresponsabilidade, tanta malignidade e tanta estupidez.
É que, como bem lembrou o historiador Rui Ramos, para Salazar e para tantos outros com responsabilidades políticas, defender o Ultramar não era uma questão de fé, era uma questão de "
conveniências e vantagens". Defendia-se o Ultramar porque "
era possível defendê-lo e porque interessava defendê-lo".
Ora o princípio, não as suas modalidades, da defesa do Ultramar, deveria estar acima de coisas como esquerda e direita, deveria estar acima de discussões estéreis e enfraquecedoras. E deveria ser tão indiscutível como a inexistência da pena de morte, como o direito à pensão de reforma, como o estímulo à iniciativa individual ou a defesa da propriedade privada. Porém, Portugal esteve em 1974/1975, entregue ao mais inepto e desvairado poder político-militar da sua História:
nunca tão poucos fizeram tanto mal a tantos em tão pouco tempo. E o que não poderia ter acontecido, aconteceu. E o absurdo aconteceu: as
autoridades portuguesas, militarmente vitoriosas, renderam-se aos derrotados! A catástrofe é genericamente conhecida e será, a seu tempo, minuciosa e dolorosamente estudada: a economia em recessão, o Estado português empobrecido, milhares de retornados que perderam quase tudo, centenas de milhares de africanos assassinados ou mortos de fome e de doenças tratáveis, notáveis ou singelas infraestruturas ultramarinas destruídas, milhares de empresas falidas, o país reduzido à pequenez geográfica e à insignificância internacional.
E a isto, um senhor apelidou, mentirosa e obscenamente, um senhor com responsabilidades directas no processo, um senhor que faz da demagogia, da vaidade e da falta de educação, as suas grandes marcas públicas, de "descolonização exemplar". Tivesse este senhor outra idade e talvez a uma sova não escapasse. Porque com a miséria absoluta e com a morte evitável de muitos milhares de seres humanos não se brinca à politiquice.