Helena é um nome bonito. A Helena de Lisboa é uma arquivista notável. E a Helena do Porto uma magistrada caústica. São, para meu contentamento e proveito, minhas amigas. A Helena Matos ainda não conheço pessoalmente. Leio-a, porque escreve no
Público ao sábado.
O seu texto desta semana, estimulante como quase todos, intitula-se
As ocorrências e os crimes, e discorre sobre o duplo comportamento das forças de segurança do Estado perante o aumento, que parece imparável - da criminalidade em Portugal.
Se o crime é contra o Estado - burlas fiscais, violação de obtusas normatividades europeístas, tráfico de droga, por exemplo - o Estado ataca, quase sem entraves administrativos, com eficácia fulminante, ao ponto da muito activa Autoridade de Segurança Alimentar e Económica estar a ganhar a fama de PIDE entre os comerciantes. Porém, a atitude das autoridades é outra se as vítimas são os portugueses e não o Estado. Se os prejudicados sou eu e a leitora, as polícias perdem o zelo repressivo e lidam preguiçosas e conformadas connosco: há cerca de um mês apresentei queixa numa esquadra da PSP contra uma senhora que gostou tanto de me ter em sua casa durante alguns dias que se esqueceu de me devolver os bens que lá deixei; e até agora ainda nada me foi comunicado. E se a sua vizinha é regularmente espancada pelo marido, os agentes da ordem registam a
ocorrência e o tribunal consente que a violência continue.
Com diz Helena Matos com total acerto, os "
crimes que afectam a vida dos cidadãos como a violência doméstica ou a deliquência urbana transformaram-se em ocorrências. Às vítimas não só se exige que se comportem com o desprendimento de quem foi convidado a participar numa experiência sociológica, como ainda se parte do pressuposto da sua absoluta má-fé."
E nós, que trabalhamos, que não roubamos, que não insultamos, que não agredimos, que cumprimos as nossas obrigações fiscais, temos que lidar com a negligência e o desinteresse do Estado e a ousadia dos criminosos. Porque os cidadãos "
estão reduzidos e domesticados na sua condição de contribuintes. E é nessa vertente que o Estado os reprime, os procura e se interessa por eles. Quanto ao resto, aos costumes disse nada." Com isto, crescem o cinismo e a ilegitimidade deste Estado
, e perdem os cidadãos, confiança e segurança.