Creio que foi Salazar quem disse que os progressos da civilização iriam reduzir as liberdades do ser humano e, concomitantemente, aumentar a capacidade do Estado controlar e vigiar os seus cidadãos. É o que parece estar acontecer na livre Inglaterra, admirável democracia. Um relatório produzido pela Privacy International, organização não governamental, informa que existem em todo o Reino Unido 4,2 milhões de câmaras de vigilância, uma câmara para cada catorze pessoas!
Pois é. Temos variado menu eleitoral, temos disponíveis carradas de jornais, revistas e livros, temos a possibilidade de organizar inconsequentes manifestações, temos acesso fácil à ilimitada informação que circula na internet, temos autorização para fomentar greves, para criar associações que defendem as topeiras, para dormimos com quem conseguirmos, para fazer televisão que caricaturiza os que mandam. Temos tudo o que é tido por essencial para protestar e para satisfazer os nossos gostos. E o Estado, que consagrou e que está incumbido de defender todos estes direitos, tem um gigantesco arsenal tecnológico e jurídico que lhe permite saber que estradas percorremos, que marcas de roupa usamos, quanto poupamos, o que comemos e o que lemos, com quem falamos ao telefone.
Como se sabe insubstituível, como é o supremo gestor da sociedade, o sacaninha Estado esmera-se na ambivalência. E diz-nos, comam as cenouras, mas nunca se esqueçam que tenho o cacete; diz-nos gozem as liberdades do mercado, mas não se julguem mais fortes ou mais espertos que eu.