Pai Natal
Espero que não te incomodes por te tratar por tu. Como mais vale tarde que nunca, creio ser esta a primeira vez que me dirijo a ti com verdadeira intensidade e esperança. Sei que existes. Tenho-te visto em variados locais: nas ruas de Lisboa, nos centros comerciais, nas televisões. Ao contrário de uma outra entidade, muitas vezes representada com barbas iguais às tuas, que prima pela ausência e que o bom cineasta César apelidou de obscuro, tu pareces realmente omnipresente. Portanto, confio em ti, acredito na tua eficácia e atrevo-me a fazer-te revelações que nem às paredes confessei.
Este ano, Pai Natal, foi talvez o mais complicado da minha existência. Faço-te um resumo para que me acredites: inventei uma doença potencialmente devastadora ( que entretanto já engavetei ); profissionalmente não fui excelente; a namorada, em vez me insensatamente me dizer ai és o homem da minha vida, saturou-se e despediu-me pelo telefone; estive poucas vezes com os meus amigos, que estupidamente teimo em quase nunca procurar; o Sporting deu-me desgostos sucessivos; e para cúmulo, parece que os incompetentes do PS se preparam para voltar a fazer sérios estragos ao país.
Concordarás que tudo isto não é pouco. Não recuso responsabilidades, mas sinto-me no direito de te pedir múltiplas prendinhas. Nos dias que correm, a famosa frase do excessivo Descartes evoluiu mais ou menos para isto: consumo, logo existo. E eu, como verificas, existo, e quero consumir bens materiais.
Segue-se a lista que sei que não perderás. Começo pelos livros. São para mim oxigénio Pai Natal. Sem eles, qual bibliófago, definharia. Muito me agradaria, pois, receber o último romance do Lobo Antunes, a reedição das entrevistas de António Ferro a Salazar, as Novelas de Tchékov, as Farpas do Eça e do Ramalho, as Noites na Granja do Gógol, o Wilt em parte incerta do Sharpe e o último livro publicado do Gore Vidal. Se os conheces, entenderás as escolhas. Como sabes, Pai Natal, nem só de livros vive o homem. E assim, do pé para a mão, ocorrem-me outras necessidades: cortinados e uma estante castanhos para o meu quarto; perfumes, cuja marcas ficam à tua sábia escolha, para encantar olfactos femininos; óculos de sol que me caíam bem que os actuais ainda prestáveis mas já cansados. E para acabar, porque não me sinto capaz de o fazer, agradecia, Pai Natal, um telefone com aquela tecnologia que permite as fotografias, para estar mais próximo das pessoas que me fazem alguma falta e de quem estou separado pela geografia.
Creio que satisfarás com alegria e sem dificuldade estes pedidos. Sou razoável, não peço mercedes, nem quintas no Alentejo, nem uma namorada inteligente e bonita e generosa, nem férias na Gronelândia a almoçar com os ursos polares que são lindos. O que peço poderás, se quiseres, colocar ali junto à arvore de natal de plástico que o R. comprou e que parece ser capaz de durar uma carrada de Natais. Pai Natal, conto contigo. Não me desapontes e tem saúde.