Estava na cama entretido com um artigo sobre a criminalidade em Portugal no fim do século XIX. Uma amiga bateu à porta para lhe emprestasse o isqueiro. Sentou-se na cama, fumou e falámos. Depois deixei-a a espreitar a biblioteca e fui tratar da ceia. Despediu-se com secura batendo a porta com desnecessário vigor. Minutos depois lamentava atravês de mensagem telefónica já não existirem homens como antigamente e acusava-me de ser um cobarde. Isto fez-me lembrar a virtude de saber perder. O Sporting, a morte e os meus erros têm sido os melhores professores sobre a matéria. Perder é uma inevitabilidade. Perdemos dinheiro em consumos supérfluos, perdemos as amizades que não duram para sempre, perdemos os familiares que nasceram antes de nós, perdemos o sentimento que nos faz perder as companheiras, perdemos oportunidades de sensatos silêncios, perdemos negócios porque o concorrente tem melhor currículo. Continuar seria fastidioso: todos os dias perdemos algo. A mulher em questão, que conheço há muito anos e que talvez esperasse que a convidasse a deitar-se, que talvez esperasse dizer-me tem a amabilidade de me despir e de entrar em mim, perdeu, mais do que algum prazer carnal, a ocasião de compreender e aceitar sem azedume que ter um corpo atraente não garante automaticamente o sexo.