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segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Açoreanos

Houve eleições nos Açores. A banalidade do acto não mereceria registo, se não se tivesse dado um notável facto, mesmo que destituído de qualquer consequência política ou jurídica. Apesar de insistentemente convidados a participar, apesar de muitos terem sido pagos para agitar bandeirinhas, bater palmas e sorrir enquanto distribuíam panfletos, a maioria dos eleitores absteve-se. Mais de 53% dos açoreanos não votou. Reconheceu que não vale a pena votar, porque votar é consagrar as organizações irresponsáveis que impunemente fazem dos recursos públicos um património que gerem em benefício das suas clientelas. Em vez de votar, fizeram a sesta, namoraram no jardim, visitaram a família. Como tenho para mim que em Portugal votar é um insulto, dignificaram-se. Sabendo que nada podem mudar, ao menos não se insultaram.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A Marselhesa assobiada

A França, que adora excitar-se por motivos políticos, que é o país das paixões políticas, está agora, ofendida, a analisar e a discutir os assobios que ontem sofreu o seu hino nacional, antes do começo do jogo entre as selecções de futebol da França e da Tunísia. Prognostica-se "l' échec de l'intégration de masses étrangères à notre culture", lamenta-se que muitos "ne se sentent pas bien chez nous", ameaça-se que "tout match avant lequel la Marseillaise serait sifflée serait immédiatement arrêté". Compreende-se a indignação. O Estado francês leva-se a sério e quando milhares assobiam um hino não se pode assobiar para o lado e fingir que é um inofensivo e legítimo exercício de liberdade de expressão. Não é. Assobiar a Marselhesa é declarar a repulsa pela França, é insultar os franceses. Quem assobiou? Ao que parece, pelas fotografias vistas, jovens magrebinos, que não foram impedidos de entrar no estádio, que tiveram capacidade de comprar bilhetes, que trabalham e vivem em França, provavelmente muito ignorantes da história e garantidamente muito ingratos. A França é injusta com eles? A França não os merece? Pois então, voltem para Marrocos, para a Argélia ou para a Tunísia. A França passa bem sem eles.

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quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O drama de Catarina

Catarina é uma jovem menina que em adolescente, planeando o seu futuro, tomou a sensata decisão de se inscrever num partido político. Aplicada, fez os seus estudos universitários, e cumpriu os seus deveres de militante. Terá colado cartazes, oferecido panfletos, assistido a reuniões, conhecido pessoas. Como em terra de cegos, quem tem um olho é rei, alguém deu pelas qualidades da Catarina e convidou-a a integrar uma lista de deputados. E a Catarina, encantada com a ideia de trabalhar na fábrica das leis que teoricamente o Parlamento é, aceitou. Milhares de pessoas que nunca tinham visto, ouvido ou lido a Catarina, milhares de eleitores que desconheciam a existência e o currículo da Catarina, votaram na tal lista em que figurava o seu nome. Os papéis com a cruz que marcam a igualdade política dos maiores de 18 anos, sejam eles cumpridores ou criminosos, inteligentes ou idiotas, foram contados, e a Catarina foi eleita deputada, elevada a digníssima representante dos representados que a ignoravam.
Ao contrário de muitos dos seus colegas, que limitam as suas funções a carregar no botão a favor ou no botão contra, e que nunca discursam, perguntam ou propõem; ao contrário destes colegas preguiçosos ou ignorantes, tímidos ou inadaptados, que nos lembram uma "ociosidade organizada", a Catarina discursa, pergunta, redige pareceres e projectos de leis. E a Catarina, moça com neurónios activos, fez-nos saber que está agora na embaraçante situação de votar contra a sua consciência, porque é a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo e o partido lhe determinou que votasse contra uma proposta de lei que visa reconhecer o casamento entre os homossexuais. Como é uma funcionária obediente, como sabe que deve o lugar ao patrão que a colocou na tal lista, a Catarina vai votar contra o que defende. Como muitos outros o tinham feito, a Catarina deu-nos uma real lição sobre a independência e a liberdade dos deputados: não existem. E eu cada vez mais me convenço que este Parlamento é uma instituição caríssima, irrelevante e dispensável.

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Filosofia portuguesa

Leio António José de Brito, professor catedrático jubilado da Faculdade de Letras do Porto, que já conhecia por ser um altivo e sólido fascista. No livro Valor e Realidade, que reúne diversos textos de filosofia, escreve-se com impecável lógica, o seguinte:

«Seja como for, a pessoa humana, de que modo a consideremos como pessoa, enquanto humana, é sempre finita, limitada, particular. Ora o absoluto é enquanto tal infinito, universal, e não conhece limites. Por conseguinte, a absolutização da pessoa humana assemelha-se totalmente insustentável

sábado, 4 de outubro de 2008

Pérolas judiciais

A Justiça anda desorientada. O que é compreensível porque o Governo não lhe facilita a vida: faltam recursos e os códigos estão inundados de inépcias jurídicas e sociológicas. Em dois dias, o sistema ofereceu-nos duas decisões que merecem registo. Assim, o Supremo Tribunal confirmou a legitimidade do despedimento de um trabalhador infectado com o vírus HIV e o Tribunal Criminal de Monsanto condenou um skinhead a dois anos e meio de prisão por "discriminação racial". Hoje, o vírus, porque há a possibilidade, por remota que seja, de o cozinheiro contaminar clientes, amanhã a obesidade, porque os clientes adoram gente magra; hoje, as imbecilidades racistas, amanhã outra qualquer imbecilidade, pois em matéria de opiniões imbecis, somos pródigos, inesgotáveis, infinitos. Ou seja, a Justiça reconhece o direito à discriminação por razões de saúde; e consagra e pune a existência de delitos de opinião. Outros, antes, com muito ardor, ingenuidade ou hipocrisia, escreveram e gritaram a "igualdade" e a "liberdade de opinião" como valores essenciais do nosso portugalzinho, intrínsecas à nossa maravilhosa "democracia". Mentiam. Como já se sabia, não são.

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