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domingo, 31 de outubro de 2004

Arquivos pessoais

Lanço o repto a quem tem a curiosidade de ler este blog : cultivem os vossos arquivos, não os destruam, pensem que podem ser fontes documentais do futuro. Confiar aos Estado o exclusivo do património arquivístico é mutilante e inseguro, até porque a esmagadora maioria dos arquivos dos actuais organismos públicos encontra-se em deplorável situação que envergonha e compromete o Estado. O individualismo dos dias que correm justifica que estimemos parte dos documentos que produzimos e recebemos. Se atribuímos importância à nossa existência porque haveremos de ignorar os nossos arquivos, que inevitavelmente geramos e que testemunham uma parcela dessa existência? Portanto façam o favor - a vós e à colectividade - de estimar a vossa correspondência, os vossos relatórios, estudos, informações ou planos que entregam na empresa ou no serviço. São documentos que informam sobre a vossa mentalidade, os vossos valores, a vossa competência técnica, as actividades de quem vos paga o salário. Tenham a bondade de pensar dois minutos neste desafio : parece-me pertinente e viável, não acarreta prejuízos e encerra muitas possibilidades benéficas. Já que a biologia não perdoa, perpetuem a vossa memória.

sábado, 30 de outubro de 2004

Revolution Française

Estou com o Dictionnaire Critique de la Revolution Française, de François Furet e Mona Ozouf, dividido em três portáteis volumes: Evénements, Acteurs, Institutions et Créations.
Na Universidade que frequentei a revolução francesa fazia obviamente parte do programa de uma disciplina. Como a carga horária era reduzida e o programa extenso, a revolução francesa não foi ensinada nem discutida. Alguns aprenderam o elementar por si. Este Dictionnaire foi ignorado pelas editoras portuguesas, mas pode ser adquirido por menos de 30 euros, porque «la revolution française appartient à tous les citoyens: même ceux qui ne l´aiment pas en sont les fils, car ils n´ont pas le choix», diz-se no prefácio. E eu acrescento que pertence também aos cidadãos que ainda a desconhecem.

Iniciativa legislativa de cidadãos

Assinei uma inciativa legislativa em curso, destinada a tentar abolir o segredo bancário. Assinei-a porque é matéria demasiado importante, que impede qualquer neutralidade ou indiferença: enquanto os bancos não forem obrigados a prestar informações periódicas à administração fiscal sobre as contas dos seus clientes, a fuga ao impostos perpetuar-se-á impunemente, para prejuízo da colectividade nacional e dos contribuintes, que por opção ou falta de possibilidade, cumprem tributariamente.
Pensada por algumas pessoas de enorme competência profissional - Francisco Louçã, Saldanha Sanches, João Ferreira do Amaral, António Hespanha - a iniciativa conta com o apoio logístico do Bloco de Esquerda: é a sua combativa juventude que está na ruas de Lisboa, junto às estações do metropolitano, a divulgar e a recolher assinaturas.
O folheto de 4 páginas tem alguns defeitos, habituais na maneira de fazer política em Portugal. Pessoaliza-se sempre e é-se sempre contra alguém : a fotografia de João Jardim a propósito do paraíso do IRC da Madeira, o ministro das Finanças caricaturizado em cão de guarda de uma classe empresarial que toma a forma de uma criatura anafada, de charuto na boca, a dormir num sofá. O folheto diz que a "direita protege os mais ricos", mas omite que o governos PS não quiseram eliminar o segredo bancário. Peca, pois, por dividir entre esquerda e direita um assunto que as transcende, que tem apoiantes e opositores tanto numa como noutra, sofisma, enfim, o que a prática desmente : eu partilho alguns dos valores da direita e assinei a iniciativa, muitos que se dizem de esquerda ignoram a iniciativa ou não a assinarão.
Sugiro a consulta: www.contasclaras.net

Citações

Não as dispenso. Deixo esta, acabainha de ler no excelente www.citador.pt :

"O conhecimento é como o dinheiro: quanto mais temos, mais queremos ter"

domingo, 24 de outubro de 2004

Ministro Mexia

O Ministro António Mexia impressionou-me. Argumentou com clareza e serenidade, mostrou profundo domínio e conhecimento dos assuntos mais relevantes do MOPTC. Sabe o que quer, sabe distinguir entre o essencial e o acessório, sabe decidir, parece ser muito exigente consigo mesmo e com os seus colaboradores. Não é um político, não precisa do cargo para se promover profissionalmente. Com a sua inteligência e a sua determinação, enriquece o currículo e serve Portugal.
A sua presença no Governo suscita a interrogação : porque se auto-prejudica o Governo ao ter na sua composição pessoas que notoriamente não têm a competência técnica e a habilidade política para ser ministros? Ninguém é insubstituível e a presença dos medíocres ou desajeitados não se pode explicar pela inexistente falta de alternativas.
A. Mexia provoca ainda outra reflexão: ele é o exemplo da superior capacidade do PSD em cativar, graças à sua heterogeneidade social e cultural, e à sua pluralidade de ideias e valores políticos, a colaboração de gestores e técnicos que efectivamente sabem exercer as suas funções: os "independentes" sem intoxicações ideológicas preferem naturalmente o PSD ao PS.

quinta-feira, 21 de outubro de 2004

Os estudantes desordeiros

Acabo de ler que houve confrontos entre a polícia e os estudantes da Universidade de Coimbra. Os meninos - a quem as propinas fazem diminuir os gastos com farras - foram finalmente postos na ordem, coisa que só peca por tardia. Nos últimos anos os contestários têm feito de tudo: violam impunemente disposições legais, interrompem e fazem suspender cerimónias académicas, insultam reitores, ministros e professores, encerram as universidades impedindo o direito ao ensino aos colegas que não estão com eles. São infractores e criminosos intolerantes, que berram muito e que talvez estudem pouco. Muitos merecem a expulsão da universidade e alguns a frequência de estágios prisionais.

terça-feira, 19 de outubro de 2004

Jardim, o invencível

Alberto João Jardim tem merecidamente garantido um lugar na História. Nunca visitei a Madeira e faltam-me estatísticas para avaliar a sua governação. Porém, Jardim tem qualidades inegáveis, como demonstrou na recente entrevista ao Expresso, plena de desenvoltura e inteligência. É o político mais livre de Portugal, o mais carismático em exercício e aquele que menos precisa de recorrer à demagogia. Será também o mais detestado pelas esquerdas, coisa que facilmente se explica: combate-as com vigor e nunca perdeu para elas uma eleição. As esquerdas, que se julgam eticamente superiores, abominam quem nunca derrotaram, quem não precisa de transigir com elas e quem executa políticas que elas pensam ser exclusivo seu. Jardim poderia ter sido líder do PSD: teria bastado controlar a sua prejudicial aversão à comunicação social de Lisboa e convencer alguns nomes importantes do seu partido. Mas Jardim preferiu poupar-se a esses constragimentos e canseiras: preferiu conservar a liberdade de ser como é.

Anatomie de l´enfer

É o título do filme, recente e rodado em Portugal, da senhora Catherine Breillat, nascida em 1948. Escreveu-o também, adaptando o seu livro "Pornocratie". A senhora avisara o público presente no auditório do Institut Franco-Portugais de que se trataria de um filme "lourde", embora as imagens não fossem para nós - seres sexuados - uma novidade. O público não se encolheu e riu repetidas vezes.
O enredo é simples: uma jovem mulher está tristonha e sem companhia, numa discoteca cheia de alegres homossexuais. A caminho da retrete cruza-se e toca num homem jovem, que a não perdendo de vista e intuindo-lhe o desespero, a surpreende logo a seguir em recatada tentativa de suicídio. Interrompe a hemorragia do pulso e leva-a, certamente conhecedor da celeridade das urgências dos hospitais de Lisboa, a uma farmácia onde em dois minutos lhe remendam os golpes. Segue-se uma conversa dorida, durante a qual há tempo para sexo oral na via pública e um bizarro convite: a jovem propõe-lhe pagar para ser observada e ouvida na intimidade do seu quarto. Pragmático, ele aceita o desafio.
Desnudada na sua cama, em casa isolada junto a uma falésia batida pelo mar enraivecido, a jovem lamenta os homens: não compreendem as mulheres, ignoram ou desprezam prazeres que as mulheres muito apreciam e de que muito carecem, obcecados que estão com a excessiva importância que atribuem à erecção. A esta inabilidade junta-se a vontade de domínio masculina: os homens querem que precisem deles mas não querem precisar delas, e estão sempre disponíveis para a incompreensão e para a falta de diálogo. Ele responde desenvolvendo uma misóginia grotescamente divertida. Mas como a moça é bela e envolvente, o homem, entre o exame minucioso do sexo feminino e os copos de uisque, sente o desejo a crescer e acaba por não resistir: homossexuais cuidado que afinal talvez as mulheres sejam do vosso agrado. Chegam ao fim as noites contratadas, a moça desaparece e o homem, pasmado e indignado com aquele despojamento, com aquele exibicionismo da fraqueza e da necessidade, em que participou, acaba por deixar o maço de euros dos seus serviços em cima do balcão onde bebera para esquecer ou tentar compreender o que experimentara .
Ao contrário do que talvez esperasse, o filme da senhora Breillat não chocou : depois de Sade, de Pasolini, de Cicciolina ou de Shere Hite, não é fácil surpreender quando se faz da sexualidade o objecto principal de um filme, mesmo que tenha, como este tem, demasiado e caducado feminismo.

quinta-feira, 14 de outubro de 2004

Preâmbulo da Constituição

A Constituição foi revista e actualizada mas permanece extensa e com expressões arcaicas, fantasiosas e incongruentes. O seu preâmbulo lembra a «longa resistência do povo português» ao «regime fascista». Historiograficamente isto é insustentável e desonesto: houve uma longa aceitação ou uma longa resignação ao regime deposto pelo golpe de 25 de abril, caso contrário não teria o Estado Novo durado mais de 40 anos. Quanto ao«regime fascista», ele só existiu na cabeça das pessoas que leram e aprovaram Marx e Lenin.

sábado, 9 de outubro de 2004

Um economista quase desconhecido

Anselmo de Andrade viveu entre 1844 e 1928. Foi ministro da Fazenda em 1900 e em 1910. A sua leitura é obrigatória para quem ambicione conhecer com rigor a história económica e social do primeiro quartel do século XX. Leitura proveitosa e com momentos deleitosos.
É provavelmente ignorado pela esmagadora maioria dos estudantes universitários de Economia e História. Transcrevo um pedaço extraído do seu Portugal Económico, Teorias e Factos; editado em 1918 e reeditado em 1997 pelo Banco de Portugal.
O trecho que se segue prova que os valores ético-morais podem fazer disparatar - quanto mais não seja por excesso ou distorcedora generalização - qualquer profissional que estude e analise a sociedade. Prova que podem potenciar o pessimismo, sempre pouco recomendável.
Quem se indignar com a sua leitura não terá vocação para investigações históricas e deverá preocupar-se com o seu sentido de humor; quem se divertir e instruir com ela estará a eliminar eventuais preconceitos que negam ou desconhecem os prazeres que as narrações explicativas do passado proporcionam.

A propósito do "trabalho da mulher na fábrica" escreveu Anselmo:

«Ora ninguém ignora as funestas consequências, que traz ao regime doméstico, a deserção do lar para a oficina. Sai muito cara esta minúscula receita subsidiária. É a poucos passos a desordem no domicílio, e a desmoralização na família. Abandona-se ao acaso a educação dos filhos. Nunca mais se trata da mobília nem do vestuário. A cozinha é feita à pressa e mal, com prejuízo da saúde de todos. O chiqueiro substitui a casa. A família desagrega-se. Perturba-se a paz conjugal. Da indiferença do marido pela mulher passa-se ao aborrecimento. O lar muda-se para a taberna. Os filhos fazem na rua a aprendizagem do crime e os preparatórios para a cadeia. A doença, com todo o seu cortejo de misérias físicas e morais, põe geralmente a este estado de cousas o seu fúnebre epílogo, que por isso se passa as mais das vezes no hospital.»

sexta-feira, 8 de outubro de 2004

De Humberto Delgado para Oliveira Salazar

Transcrevo duas cartas enviadas por Humberto Delgado a Oliveira Salazar. As razões que levaram o general a candidatar-se à presidência da República e prometer demitir Salazar nunca serão completamente conhecidas e esclarecidas. As cartas ainda não foram aproveitadas pela historiografia, que tem preferido, salvo uma ou outra excepção, omitir ou apenas muito sumariamente lembrar as actividades do general anteriores a 1958. As cartas são precioso testemunho que não pode ser apagado.

Carta de 24 de Maio(?) de 1952, Torres Novas

«Senhor Presidente

Com o falecimento do almirante Mesquita Guimarães abre-se o lugar de governador do banco de Angola e a V.Excª pediria o obséquio de se dignar considerar-me entre os candidatos se não fôra chegar-me aqui a notícia de que o Dr. Marcello Caetano - já naquele banco - deseja o lugar.
Porém, se assim foi, abrir-se-á o lugar de Comissário do Governo junto do banco, e então para esta vaga eu solicitaria a V. Excª - com quem tive a honra de trabalhar de perto e me conhecerá - o favor de me considerar candidato, com base não só no que V. Excª saiba das minhas capacidades ou préstimos, mas ainda no facto de por mais que me apague e esconda não ser fácil viver a vida simples de uns tantos milhares de camaradas, oficiais, aguns até sem curso superior, mas que o galão alinha no mesmo soldo.
Agradecendo penhorado o interesse que possa merecer-lhe, rogo a V. Excª aceite a expressão dos meus respeitosos cumprimentos.»


Carta de 16 de Agosto de 1955, Washington

«Senhor Presidente

Findará em breve a minha comissão aqui.
Sinto que à chegada a Lisboa serei lançado para obscura posição de tipo que não conheci nas escolas, nem na competição objectiva em serviço.
É lei da vida para alguém, expressa no vale mais cair em graça. Ora eu não posso passar à reserva por falta de idade ou doença bastante; menos posso pedir a demissão de oficial da força armada, com família como tenho, dispondo dos meus meios de alferes de há 29 anos - além de que o momento não seria adequado.
Sucede, senhor presidente, que amigos de Lisboa e de além-mar me aconselham a apresentar a candidatura aos cargos de governador-geral de Angola ou Moçambique que, informam, é possível vaguem brevemente.
Assim faço dirigindo-me ao senhor ministro do Ultramar. No entanto, como V. Excª foi um dos ministros que poude apreciar o meu trabalho de organização e entusiasmo em diversos cargos - uns 4, dos quais 3 em acumulação com o serviço militar, e todos com as altas dificuldades objectivas e pessoais inerente à montagem de organismos novos, partindo do nada, ouso solicitar o interesse de V. Excª e a oportuna informação.
Junto algumas notas biográficas.
Os meus respeitosos cumprimentos»

quinta-feira, 7 de outubro de 2004

Estranha imprensa

Não os leio diariamente. Seriam euros pouco compensadores. Mas sei que quase todos os jornais se orgulham de publicar crónicas e artigos de conhecidos políticos activos. O Pacheco Pereira ainda percebo: pensa livremente e escreve com talento. Quase todos os outros fazem-me pensar a propaganda deveria ser uma receita para os jornais e os jornais fazem dela uma despesa. E interrogo-me qual será o português, para além do próprio, que intencionalmente compra o DN para devorar a estimulante prosa do senhor Jorge Coelho, por exemplo?

Movimento Cidadania

O Movimento Cidadania (MC) é ideia de uma mão cheia de cidadãos portugueses de diferentes idades, profissões e habilitações académicas, unidos pela partilha de valores e objectivos.
Os valores são os essenciais ao pluralismo político que queremos cultivar - a apologia das liberdades de pensamento, de expressão, de reunião, de associação, de religião e a defesa da propriedade e da iniciativa privadas.
Os objectivos que pretendemos concretizar são resumidamente os seguintes:

- o fomento da participação política activa de cidadãos civicamente empenhados;
- o combate às práticas de ilegítima, abusiva e nociva partidarização da Administração Pública;
- a difusão de estudos, propostas, sugestões e queixas - individuais e colectivos - sobre os mais variados assuntos de interesse público.

Os promotores do MC assumem que querem fazer política e vão fazer alguma política. Querem que através do MC seja estimulada e praticada a iniciativa legislativa popular. Contudo, quem integrar o MC não se transformará em político: os seus membros não abandonarão as suas actividades profissionais e não dependerão economicamente do MC. Quem quiser mudar de vida, quem imagina enriquecer envolvendo-se em actividades cívicas ou sonha com um ocioso posto de trabalho, certamente que o não fará no MC.
A estrutura organizativa será tão pouco hierarquizada quanto possível, as disposições normativas e disciplinares serão minímas. Não haverá um rígido corpo doutrinal a ser obedecido, um minucioso programa a ser votado. O MC não se dividirá ideologicamente e não recuperará anacrónicos frenesins ideológicos que tantas insanidades e intolerâncias geraram em Portugal.
O MC aceita o quadro constitucional vigente, não ambiciona ocupar o Poder, não pretende substituir os partidos, não tem a intenção de concorrer a actos eleitorais. O MC quer contribuir para a melhoria do exercício do Poder e quer que o Estado seja aquilo que amiudemente, por inépcia, negligência, incapacidade financeira, não consegue ser : uma entidade que alie à sua axiomática necessidade, a competência a que se deveria obrigar e que deveria cultivar em permanência.
O MC não proclamará, pomposa e excitadamente, querer mudar Portugal, reformar o Estado, transformar a sociedade, salvar a República. Tal seria ingénuo ou pretensioso, megalómano e demagógico. Desejando menos e melhor Estado, mais e melhor iniciativa privada, o MC produzirá informação de qualidade, não se atreverá a fornecer enganosa propaganda.
O MC não quer ser confundido com os partidos políticos, cuja existência saúda e cujas imperantes características deplora. O MC lembra e lembrará que são responsabilidade dos partidos a criação e a generalização de tipos políticos, que seriam cómicos ou grotescos se não fossem pagos pelos impostos dos contribuintes. Um deles, obscenamente oneroso ao receber uma pensão vitalícia depois de terminada a sua inactividade parlamentar, é o deputado fantoche : faz mais viagens que discursos, prefere faltar a fazer interpelações, nunca se lembrou de tomar a iniciativa de elaborar uma proposta de lei, boceja, apupa e aplaude muito, tem uma relação conflituosa com a língua portuguesa e quase não tem relação alguma com a história, o direito ou a filosofia. São estes deputados fantoches, e os políticos que reiteradamente os apoiaram, que maculam os partidos, desprestigiam o parlamento e arruinam a representatividade, degradam a democracia e insultam os eleitores e os contribuintes.
Por isto e também porque os partidos políticos parecem potenciar o enfraquecimento do espírito auto-crítico, promover o clientelismo das fidelidades pessoais em detrimento do mérito e ser intrinsecamente demagogos, não queremos ser confundidos com os partidos e condenamos os seus vícios. Esta constatação não impossiblita o eventual estabelecimento de cordiais relações institucionais : apesar de lamentavelmente minoritárias, existem em alguns partidos, pessoas que sua reconhecida experiência e capacidade merecem, podem ou devem ser ouvidas, pessoas com quem teremos gosto e proveito em conversar.
Da rejeição do actual partidarismo e da recusa de qualquer que influência que nos acorrente ou subalternize, decorre uma discriminação que o MC assumirá, ciente de que encerra vantagens e inconvenientes: não poderão ser membros do MC os cidadãos que estiverem filiados em partidos políticos.
Dentro de alguns meses o MC terá personalidade jurídica. Ignoramos se será composto por dezenas, centenas ou milhares de pessoas. Garantida é não ser necessária a filiação no MC para se desenvolver a participação : quem nos fizer chegar cópia de uma reclamação que tenha feito estará a colaborar com o MC. À quantidade passiva e desinteressada de muitos, o MC preferirá a disponibilidade e a vontade de poucos.
O MC ambiciona ter dimensão nacional e ambiciona ter muito que fazer: a viabilidade de ambos os propósitos dependerá de quem quiser colaborar e da intensidade da sua capacidade de acção.
Não temos pressa, não corremos atrás da popularidade, e sabemos que a nossa efemeridade ou longevidade, a nossa irrelevância ou importância, dependem daqueles que desafiamos a participar.
Neste projecto cabem o empresário e o operário, o professor e o aluno, o director e o jornalista, o técnico superior e o administrativo. Cabem o ateu e o católico, aquele que não vota e aquele que vota, quem possui a instrução primária e quem conseguiu o doutoramento. Cabem os portugueses e os estrangeiros residentes, maiores de 18 anos, que, por diferentes motivos, se
sintam mobilizados para realizar acções que contribuam para fazer de Portugal aquilo que poderia e deveria ser : um país menos desequilibrado e injusto socialmente; um país com serviços públicos universalmente eficientes; um país que ultrapasse a crise de legitimidade e de credibilidade de quase todos os seus órgãos de soberania; um país em que cesse a impune degradação da qualidade da sua classe política; um país com um Estado fiscalmente menos voraz e moralmente menos paternalista; um país que responsabilize os seus acomodados e tantas vezes prejudiciais burocratas; um país cujos organismos públicos prestem sistematicamente contas sobre as suas actividades, divulgando mais e melhor informação.
Daqui decorre uma vontade fiscalizadora. Não que queiramos substituir quem já fiscaliza ou que neguemos a validade das suas actividades. Respeitamos as inspecções-gerais e as forças de segurança, e lamentamos que desenvolvam a sua missão cronicamente deficitárias de pessoal especializado ou com errada distribuição funcional dos seus membros. Mas se ao Estado compete vigiar e fiscalizar o comportamento público dos cidadãos e as actividades das empresas, entendemos que os cidadãos interessados podem e devem unir-se para melhorar o Estado, fiscalizando-o : a nossa lógica institucional é a da cooperação, da complementaridade e da reciprocidade, apoiada na verificação da insuficiência estatal. Graças à incapacidade reformista do Estado, aprisionado pelo partidarismo e por muitos sindicatos especialistas em obsctaculizar e adiar, há mais de duas décadas que a Saúde, o Ensino, a Justiça, a Segurança e a Investigação, apresentam estruturantes lacunas e deficiências que os sucessivos governos não têm logrado vencer, não obstante os melhoramentos ocorridos, sobretudo materiais.
São seguramente muitos os portugueses saturados com os abundantes exemplos de descuidada gestão do património público e com a verborreia falaciosa dos que não se cansam de prometer e pouco cumprem. São muitos os portugueses desiludidos com a crua confrontação entre a realidade sentida e observada e as declarações e acções de muitos dirigentes e governantes, pretéritos e em funções. Disposto à colaboração com as entidades públicas e privadas, desejoso dela, o MC assume a sua natureza de reacção contra o actual estado dos assuntos públicos.
A sociedade portuguesa merece melhor Estado e carece de melhor Estado. Os principais responsáveis pela crise do Estado não são os cidadãos. Os cidadãos, mais importante sustento do Estado, são as suas principais vítimas, os seus principais lesados.



quarta-feira, 6 de outubro de 2004

Mais um

Escrever não uma necessidade vital e eu rendido à vaidade, escrevendo para mim e arriscando ser lido por gente desconhecida. Preocupações literárias a evitar. Uma revisão ou outra, parar para escolher uma palavra claro, reler o conjunto para sossegar a opinião. A originalidade, dificil; não deve ser intencionalmente cultivada. Seria pedante e desapontador. Aproveitar este espaço de liberdade basta. É gozo suficiente.