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segunda-feira, 30 de outubro de 2006

97%

Agora entendo cabalmente a razão pala qual o PS - que nunca se cansa de berrar o seu amor à liberdade - sempre se entendeu ou negociou com ditadores de esquerda, sobretudo nos tempos em que o Dr. Mário Soares era o patrão do partido: o engenheiro Sócrates foi reeleito Secretário-Geral com 97% dos votos e todos ficaram contentes com a unanimidade.
Fidel Castro não desdenharia esta votação e quando dela tiver conhecimento enviará as suas saudações ao indiscutido camarada socialista.

domingo, 29 de outubro de 2006

Escrever ao Governo

A correspondência tradicional, via postal, entre amigos, caiu em desuso. Tenho amigos que vivem fora de Lisboa e nunca lhes escrevi uma carta: as saudades são atenuadas com o telefone ou o correio electrónico.
Ultimamente, porém, tenho sentido uns calores epistolares, uma ânsia em escrever a pedir explicações e informações. Como não serão cartas pessoais e existe legislação que obriga os destinatários a responder, acho que vou começar a escrever ao Governo cartinhas que darão um pouco que fazer às carradas de acessores que rodeiam os nossos ministros e as nossas ministras. Claro que não perguntarei à ministra que perfume usa ou que livro tem na mesa de cabeceira. Perguntar-lhe-ei como se explica que os orçamentos do IPLB sejam superiores aos do IAN/TT, por exemplo. Aliás, havendo tempo e disponibilidade mental, não faltará o que perguntar ao Governo. As possibilidades são virtualmente infinitas.

sábado, 28 de outubro de 2006

CP

A CP, cujos atrasos do Intercidades são crónicos, cujos preços do Alfa não são amigáveis, cujos colossais prejuízos gostaria de ver convincentemente explicados, comemora os 150 anos dos caminhos-de-ferro em Portugal e editou uma fotobiografia que resume com abundantes imagens, escassos textos e inexistentes estatísticas, a história de tão importante meio de transporte. O livro merece os 15 euros que custa.

Bom sinal para os Arquivos

As novas leis orgânicas dos diversos Ministérios, resultantes do programa de reestruturação da administração central do Estado ( PRACE ) , reconhecem e valorizam a importância funcional e cultural dos arquivos gerados pelos respectivos organismos. Depois do diagnóstico realizado em 2004 ter confirmado a quase calamitosa situação repetidamente denunciada por alguns arquivistas, era urgente reformar o sistema arquivístico nacional, que em boa verdade, é coisa que ainda não existe e deve ser o principal objecto da missão da Direcção-Geral dos Arquivos, agora criada.
Existem alguns arquivos históricos que funcionam razoavelmente, que têm conseguido, lentamente, fazer o que lhes compete: reunir, descrever e tornar possível a consulta dos seus fundos documentais; que são, a evidência é tão grande quanto desprezada ou ignorada, património nacional, património decisivo que viabiliza a investigação, a garantia dos direitos de pessoas e organizações, a preservação da memória colectiva.
A actual situação é grave, porque lesa o País e resulta do desleixo e do desinteresse do Estado, que assim se diminui e desprestigia: centenas de quilómetros de documentação acumulados em depósitos, escassez de recursos humanos especializados nos quadros de pessoal dos serviços, insuficiência de instrumentos de descrição documental, milhões de documentos que carecem de tratamento para que possam ser colocados à disposição da comunidade, ignorância acerca do que de se deve eliminar e do que se deve conservar, impotência fiscalizadora e coerciva do IAN/TT.
Com as novas leis orgânicas, ficam as Secretarias-Gerais dos Ministérios, expressamente incumbidas de promover " boas práticas de gestão de documentos" e de "proceder à recolha, tratamento, conservação e comunicação dos arquivos que deixem de ser de uso corrente por parte dos organismos produtores". Isto é claro, decorre do bom senso, confirma a validade da legislação já produzida e pouco observada, impõe sérias responsabilidades jurídicas.
É certo que esta atribuição parece ignorar a necessidade de uma coordenação ao nível dos arquivos correntes, insaciáveis produtores de documentos em variados e redundantes suportes, como é certo que a direcção dos arquivos dos vários organismos que integram qualquer ministério exige o aumento substancial do número de arquivistas e o recurso mais frequente ao sector privado. Mas acredito, sem ingenuidades e com moderado optimismo, que os arquivos em Portugal, têm com este dispositivo legal, a oportunidade de serem respeitados, aproveitados e conhecidos.

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Educação antigamente

Quase toda a gente já ouviu ou leu, algures, a seguinte enormidade: antigamente, no tempo do fascismo, não se podia estudar; o regime queria o povo ignorante e não investia na Educação. É complicado contrariar preconceitos e é sabido que o pior cego é aquele que não quer ver: demonstrar, por exemplo, a um comunista que está errado politicamente é quase tão inútil e inglório como tentar ensinar um cão a escrever. Ora, quando o arreigado facciosismo impede a lucidez, só resta lembrar números, os frios números que não enganam e que provam cabalmente. Ontem, no Dicionário de História de Portugal, volume III, no artigo dedicado aos Professores, encontrei os seguintes números:

Em 1930 havia em Portugal - no ensino oficial ( primário, liceal, técnico-profissional) - 10.786 professores;
Em 1974 havia em Portugal - no ensino oficial ( primário, preparatório, liceal, técnico-profissional) - 73.421 professores.

Em 44 anos o aumento do número absoluto de professores cifrou-se em 62.635 professores, a uma média anual de 1.423 novos professores. São números demasiado concludentes para que se possa permitir a discussão de certos dogmas...ignorantes ou desonestos.

Pimenta

"Não se é obrigado a vencer, mas toda a gente é obrigada a lutar"

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Homenagem à Hungria

Há precisamente 50 anos começava a revolução da Hungria contra o totalitarismo soviético.
Dez anos de dominação comunista levaram os hungaros à dignidade da revolta, à primeira revolta contra a URSS, que durante uma semana pasmou o mundo e embriagou de esperança quem a viveu. A impotência da Europa ocidental e a indiferença dos EUA convidaram a União Soviética a fazer aquilo que sempre fez com eficácia : a repressão. A repressão brutal das tropas soviéticas terá provocado a morte de aproximadamente 20.000 pessoas. Esses patriotas, esses homens que recusaram o medo paralisante, que lutaram contra a penúria e a subserviência do pacto de Varsóvia, que sonharam com a independência do seu país, que queriam eleições livres e que defendiam a restauração da iniciativa privada, foram hoje solenemente lembrados.

A proeza do avançado

Ontem, o Sporting repetiu o esbanjamento da praxe - bolas ao ferro, frango do guarda redes - e ofereceu um empate ao Porto. Paulo Bento, que está a fazer um trabalho de qualidade, ainda não percebeu algo elementar: não se insiste com um jogador que anda manifestamente com azar. Liedson defende, remata, dá o litro em prol da equipa, mas marcou um golo em sete jogos. Demasiado pouco, quase nada mesmo. Como a bola criminosamente não entra, o avançado tem que ir para o banco de suplentes e esperar que a onda má desapareça com o tempo. É que o azar de um alastra e contagia a equipa inteira.

domingo, 22 de outubro de 2006

O roubo legalizado

Acabei de brincar com as minhas finanças, fazendo uma simulação de crédito bancário para aquisição de imóvel. Pedi 90.000 euros. O programa informático da Caixa respondeu que eu pagaria 558.50 euros durante 30 anos. Achei demasiado elevada a prestação mensal. Usei a calculadora e fiquei a saber que os 90.000 euros se transformariam em 200.880 euros. A Caixa, que se acha uma respeitável instituição, que se orgulha dos seus serviços e das suas contas de gerência, disse-me, que por me emprestar 90.000 euros, eu lhe pagaria mais 110.000 euros! Se não fosse sério o assunto, seria anedótica a gula da Caixa. Assim, é simplesmente repugnante. Com estes juros devoradores, com estes juros que pagam duas casas ficando uma delas para o banco, e havendo tanta gente a comprar casa e tanta gente que ambiciona comprar casa, só se pode concluir que os portugueses querem e apreciam ser parasitados até ao fim da vida. Parecemos ter mentalidade de escravos.

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

Notas sobre Angola

Encontrei num alfarrabista do Chiado um livrinho da Secretaria Provincial de Angola, escrito pelo respectivo secretário Jorge Eduardo da Costa Oliveira. O livro, Economia de Angola evolução e perspectivas 1962-1969, nunca terá sido, seguramente, lido pela maioria dos irresponsáveis que decidiram, sem consultar a população portuguesa, o precipitado abandono do Ultramar português. Os governantes de 1974-1975, inexperientes ou empregados de Moscovo, que então se sucederam em governos sem coesão política, que se revezaram em governos absurdos, não estiveram à altura da enorme importância dos acontecimentos. Como escreveu Manuel de Lucena, historiador insuspeito de simpatias pelo regime autoritário de Marcelo Caetano, no poder reinava "a total impreparação da grande maioria do pessoal de esquerda para as asperezas e os conflitos que a construção de uma autêntica solidariedade política entre Portugal e os novos países lusófonos necessariamente implicaria. E pior: em vésperas dos 25 de Abril, predominavam à esquerda, vindos de longe, internacionalismos primários, que não permitiam a percepção de interesses portugueses autónomos e fomentavam noções e sentimentos impeditivos dessa solidariedade e de qualquer descolonização responsável." Isto é, - eu dispenso-me subtilezas - foram pessoas sem as requeridas qualificações, foram pessoas sem a lucidez e sem o patriotismo que se exigem para a direcção superior dos negócios públicos, que decidiram, desastradamente, ineptamente, o assunto ultramarino: pior descolonização seria impossível, embora alguns tenham dito, zombando de nós, que era descolonização exemplar.
Estes pessoas - que não se lembraram da razoável e viável solução federalista; que associaram o Ultramar ao Estado Novo, esquecendo que o Ultramar era anterior ao regime deposto e não era específico deste; que talvez receassem ser chacinados pelos dirigentes guerrilheiros na mesa das negociações se os não satisfizessem totalmente; que literalmente entregaram o ouro aos bandidos sem qualquer contrapartida; que se renderam quando militarmente as tropas davam conta do recado - talvez nunca tenham lido este livrinho da Secretaria Provincial. Se o tivessem feito, teriam ficado a saber, por exemplo, o seguinte:

Em 1962 Angola exportou

Café... 156.887 ton.
Minério de ferro...445.987 ton.
Petróleo em bruto...114.951
Algodão em rama...5.172 ton.
Milho...116.681 ton.
Diamantes...985.776 quilates
Madeira...51.162

Em 1969, 8 anos após o começo das acções da guerrilha independentista, Angola exportou

Café...182.836 ton. + 73 %
Minério de ferro...5.109.678 ton. + 738%
Petróleo em bruto...1.504.338 ton. + 757%
Algodão em rama...18.807 ton. + 233%
Milho...177.393 ton. + 101%
Diamantes...1.980.395 quilates + 231%
Madeira...152.004 ton.+ 304%

Estes números impressionam qualquer um e permitem ter uma ideia do desenvolvimento económico de Angola. Outros números, como o de alunos matriculados no ensino público, que em 1962 era 143.469 e em 1968 era 395.094, indicam desenvolvimento social. Foi este notável crescimento que a descolonização decidiu interromper e liquidar. Era demasiado pouco português este sucesso.

MNE

Quem tem a necessidade e o prazer de conhecer a história de Portugal não pode deixar de visitar o MNE: o arquivo histórico tem quilómetros de documentação e a biblioteca milhares de obras, disponíveis para consulta. O atendimento, das senhoras directoras e restantes funcionárias, é competente e prestável. Mas isto, que é muito, não é tudo. A biblioteca oferece aos investigadores que o solicitam, os livros editados pelo Ministério. Parece mentira, mas é verdade: um serviço público que, em vez de taxar, com sorrisos e simpatia, oferece.

domingo, 15 de outubro de 2006

Barreto disse

Não abundam na imprensa portuguesa colunistas que me cativem. Contam-se pelos dedos, não importando se a culpa é minha ou dos colunistas. O Público, que é, apesar de ainda por lá escreverem duas ou três criaturas intragáveis, o melhor jornal de Portugal, está bem fornecido de colunistas cuja leitura é obrigatória : António Barreto, Vasco Pulido Valente, Maria Filomena Mónica. A coluna de António Barreto é publicada ao domingo. Antes de reproduzir um pedaço da sua crónica de hoje, lembro, em síntese, o currículo do senhor : politicamente, foi deputado à Assembleia Constituinte (1975), Secretário de Estado do Comércio Externo (1975-76), Ministro do Comércio e Turismo (1976-1977), Ministro da Agricultura e Pescas (1976-1978) e deputado à Assembleia da República (1985-1991) . Confesso que não conheço a obra feita, que ignoro a validade das suas decisões enquanto membro do Governo, mas acredito que as suas intervenções no Parlamento o não envergonham. Academicamente, Barreto atingiu o brilhantismo. Doutorado em Sociologia, investigador e professor, Barreto é um dos responsáveis pela excelência do Instituto de Ciências Sociais e foi um dos coordenadores do monumental Dicionário de História de Portugal, obra de consulta permanente, destinada à eternidade.
Ter preferido o exílio da Suíça à possibilidade de combater na guerra do Ultramar, ter sido destacado nome do Partido Socialista, não diminuem a consideração, o gosto e o proveito de o ler.
Barreto é uma referência para quem gosta e precisa de aprender, para quem tenta pensar por si próprio, para quem a cidadania é um permanente estado de atenção pelas coisas das res publica.
Felizmente para nós, Barreto abdicou das partidarices e das politiquices, para se concentrar na Universidade e na intervenção cívica.
O seu Retrato da Semana de hoje, dedicado ao primeiro-ministro, é, para além da prosa deliciosa, inteligente, frontal e demolidor. Como Sócrates é o chefe do Governo, Sócrates é um homem muito importante. Barreto diz-nos:

O primeiro-ministro tem jeito. Talvez mesmo talento e intuição. Decidiu, desde o primeiro momento, surpreender e tomar a iniciativa. Nunca ir atrás do acontecimento, mas provocá-lo. Para tal escolheu um método: designar o adversário, denunciar um privilégio, tomar uma medida, atacar com uma lei. Tudo isto tendo ao seu serviço uma inédita concentração de poderes e uma imbatível organização de informação, mas reservando sempre para ele o ínicio da operação e o anúncio da surpresa.

Depois de enumerar os alvos de estimação de Sócrates, Barreto, nunca maniqueísta, toca no ponto decisivo:

Reconheça-se que, entre tantas medidas e no meio desta pletora de intenções, há muito que se aproveite. O controlo da despesa pública, a poupança no gasto, a austeridade nos serviços públicos, o remendo da Segurança Social e a ordem nas escolas, por exemplo, implicam dispositivos e determinações, cuja bondade, geralmente imposta pela necessidade, é indiscutível. Mas, com o tempo, tem-se também percebido que a técnica do primeiro-ministro se tem limitado ao superficial. Nunca ir até ao fim parece ser a sua regra. Ferir um pouco tudo e todos, mas nunca ir ao fundo das coisas, pois é aí que se fazem os inimigos irrecuperáveis.

Assim, por temperamento ou estratégia, Barreto acha que Sócrates, a quem chama o mestre das escaramuças, está condenado a nada reformar. Quatro anos são escassos para que se consiga mudar e fazer sentir os resultados das mudanças. Apertado pela gula da máquina partidária, que reclama ganhar eleições e espera privilégios, Sócrates, envaidecido pelo poder, afeiçoado ao poder, preferirá o efémero e o remendo à imposição das certezas que dilaceram e que o poderiam elevar à categoria de estadista. Sócrates, querendo não alienar nem gregos nem troianos, querendo privar com deus e o diabo, acomodar-se-á à triste incapacidade de agarrar a oportunidade de grandeza que os tempos exigem e lhe oferecem:

Como sua não seráa criação de órgãos externos de controlo das universidades. Um código severo de incompatibilidades na acumulação de funções públicas e privadas na educação e na saúde não será aprovado por si. E a proibição de passagem promíscua de cargos públicos para empresas privadas e públicas ou vice-versa não será decretada por ele. Como não será ele que acabará com as nomeações por confiança política. Nem imporá prazos aos magistrados judiciais e aos procuradores do ministério público. Não será capaz de acabar com a perpetuidade do emprego público. Nem saberá tornar muito mais flexível o mercado de trabalho, como não desejará dar um pouco mais de garantias aos trabalhadores precários.

Privatizar as escolas evidentemente

Durante a próxima semana os professores, presumivelmente descontentes com a política do patrão ministério, vão fazer greve durante dois dias. Muitos farão, portanto, aquilo que mais gostam: não dar aulas.
Não faltam motivos que possam explicar esta lamentável situação: ou estão cansados de aturar alunos indisciplinados e desinteressados, ou julgam-se impotentes, desautorizados, descrentes e desmotivados, ou não sabem ensinar. Porque para ensinar, como disse Eça de Queiróz, é preciso saber. E muitos dos professores que têm menos de 40 anos, sabem pouco, sabem muito menos do que deveriam saber. Saber pouco não os impediu de duas portuguesas proezas : a licenciatura e a admissão ao sistema de ensino. O culto da falta de exigência e da cabulice, o desdém pela aprendizagem, o desprezo da língua portuguesa e da história de Portugal, começam no ensino primário, enraízam-se no ensino secundário e até já invadiram as universidades públicas.
O ensino pós 25 de Abril, que recebe parte de leão dos orçamentos do Estado, que recebe milhões e milhões dos fundos comunitários, que tem nadado em dinheiro para renovação de instalações e equipamentos e pagamento de salários, tem-se permitido fabricar, sem remorsos, milhares de ignorantes licenciados, areia para os olhos das estatísticas que ocultam e deformam a realidade.
Estes, contentes com o canudo que encanta a família e ignorantes da sua ignorância, acham-se detentores do direito natural de rapidamente adquirirem estabilidade profissional patrocinada pelo Estado. Para nosso mal, para ofensa das nossas contribuições fiscais e penalização das contas públicas, esta multidão mal preparada e arrogante tem conseguido levar a água ao seu moinho. É certo que todos anos têm o incómodo burocrático da renovação da candidatura, é certo que arriscam zangar-se com a geografia da escola onde são colocados, mas, longe ou perto de casa, são admitidos e são pagos pelo ministério.
Para mim, que nunca ensinei, que tenho tido a felicidade de não ter a necessidade de candidatar-me ao ensino, a situação dos professores é o mais grave problema do País, tão decisivo que sem a sua solução, qualquer melhoria obtida em qualquer outro departamento de Estado, será sempre atenuada, minorada, minada, pela persistência do devorador tumor que é o ensino público.
Não está em causa, evidentemente, a utilidade da profissão: é tão axiomática que dispensa justificação. Em primeiro lugar, está em causa a quantidade de professores. Segundo a novinha em folha BDAP, dos cerca de 576.000 funcionários pertencentes à Administração Central, 205.000 estão ao serviço do ministério da Educação, sendo mais de 160.000 destas pessoas, mulheres. Arredondando, 1 em cada 3 funcionários públicos é professor. Evito outros números, como o da evolução das despesas com pessoal em percentagem do Produto Interno Bruto, para poupar quem lê a desconfortáveis arrepios. Deixo a pergunta: é realmente indispensável e inevitável que o Estado seja o gestor de milhares de escolas ? Ou será este carissímo e ineficaz encargo o resultado de um dogma que pouco se discute e que medrosamente os partidos do poder evitam reformar. Não é preciso ser técnico do ministério das Finanças para saber que o saneamento e a saúde das contas do Estado exigem, para ser coisa duradoura e fiável, não a redução dos investimentos públicos, não apenas o sucesso do combate à evasão fiscal, mas exigem, sobretudo, a redução efectiva das gigantescas despesas com pessoal. Não se trata de despedir ou dispensar os professores: trata-se da urgência de privatizar o ensino primário e liceal. Não faltam pessoas e não faltam organizações capazes de gerir o ensino. Falta bom senso, competência e firmeza governativas. Faltam a inteligência e a dignidade de se preferir trabalhar pensando no médio e no longo prazo à pequenez de apenas gerir o dia-a-dia para ganhar as próximas eleições.

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Editora a caminho

Atenção, atenção
Aviso à população

Esta tarde foi decidida
a criação
de uma casa comercial
(expressão caída em desuso mas sempre válida)
dedicada
à edição de livrosssssssssssssssssssssssssssssssssssssss!!!!!!!!!!!!!!

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Viciado

Querido blogue

Quando não te ligava patavina, estava viciado em produtos da indústria farmacêutica. Entretanto, ganhei algum juízo e libertei-me dos químicos. Mas como viciável que sou, tratei de encontrar novos vícios: aos livros, juntou-se o Arquivo Salazar. É verdade blogue: estou viciado no Arquivo Salazar e estou a adorar. Aqueles documentos mexem comigo, estimulam-me, cativam-me, instruem-me, fazem-me sonhar. É a vida, querido blogue.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Polska, Polska, Polska

Hoje senti-me um pouco polaco. Afinal, tenho uma tia - a simpática, bonita e boa conversadora tia Agatha - que nasceu e cresceu na Polónia, o mais azarado dos países, que em 1939 foi invadida e massacrada pela Alemanha nazi e pela Rússia estalinista. Apesar de destruída pela barbárie totalitária, a Polónia conseguiu sobreviver e reconstruir-se lentamente. Livre desde 1989 da tutela opressiva da URSS, a Polónia integra a União Europeia, recupera do atraso e dentro de poucos anos será uma das mais prósperas economias do continente: os polacos são cerca de 40 milhões, têm espaço de sobra para a agricultura lucrativa, e como possuem a inteligência dos russos e a eficácia dos alemães, saberão aproveitar os milhões de Bruxelas e de Berlim.
Lembro isto porque hoje a selecção da Polónia jogava contra a selecção de Portugal. Como esperava, ganharam merecidamente os polacos, mais rápidos, mais objectivos, mais motivados, e agora, bem treinados por um distinto senhor do mundo da bola. Portugal ia com a intenção de não perder: o empate seria um bom resultado, disse o seleccionador Scolari. Como o futebol só aqui e ali é ilógico, sabe-se que quem joga para empatar, costuma perder. E Portugal perdeu por um lisonjeiro 2-1, jogando penosamente zero para muitos, divertidamente zero para mim.
O brasileiro que menos trabalha e mais ganha em Portugal, tem enganado muito boa gente - iludida pela sorte que o acompanha, pela campanha de endeusamento de uma imprensa servil e pela habilidade com que a criatura soube aproveitar o vazio de um projecto colectivo para animar a malta com o histriónico e um bocadinho pateta amor à selecção - mas não engana quem sabe de futebol. Tacticamente conservador, Scolari é um teimoso que convoca jogadores que não jogam pelos seus clubes e não convoca jogadores de imenso talento que são titulares dos seus clubes : apostar em Costinha, Valente, Rocha e preterir Moutinho, Veloso e Meireles; ou demorar uma eternidade a fazer substituições evidentes, é, como diz o meu pai, próprio de uma besta, de um bronco. Sem sorte e sem a protecção da Virgem, só muito dificilmente o brasileiro levará Portugal ao Europeu de 2008.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Ser arquivista é

Ser arquivista é, por exemplo, tornar possível o acesso rápido e fiável à informação gerada por organismos públicos ou privados no exercício das suas actividades: produzindo inventários ou catálogos ou índices. Ser arquivista é também, quando existem os necessários recursos financeiros e humanos, reproduzir parte dos documentos de um qualquer arquivo: edições de correspondência entre importantes figuras públicas ou digitalização de fundos documentais acessíveis a partir da Internet. A primeira é mais comum e mais barata. A segunda é o sonho de qualquer investigador que não tenha medo de trabalhar em casa.
A mal frequentada Assembleia da República - onde nunca falta dinheiro e a excelência arquivística se pode praticar - e o adorável Arquivo Nacional da Torre do Tombo - onde falta dinheiro e por isso não falta trabalho importante para fazer, têm digitalizado pedaços de alguns dos seus fundos documentais. A Torre decidiu digitalizar, entre outros conjuntos, os quase ilegíveis Diários de Salazar; a Assembleia digitalizou as colecções impressas das sessões do parlamentarismo português, desde a Assembleia Constituinte de 1820 ao Parlamento da nossa ditosa III República.
Eu, que não tenho e nunca terei os recursos e as obrigações de qualquer uma das supracitadas instituições, mas vou gostando do mundo dos arquivos, reproduzirei a seguir um dos documentos cuja cópia hoje obtive. Trata-se de uma carta enviada por Humberto Delgado a Oliveira Salazar, em Janeiro de 1949. Humberto Delgado estava em comissão de serviço em Montreal e Salazar preparava a eleição presidencial de 1949, que elegeu o Marechar Óscar Carmona para mais um mandato de 7 anos. A carta não é lacónica, e parece-me interessante, ajudando a conhecer mais um pouco o famoso general: tem reverência, tem queixumes, tem a lembrança dos gloriosos dias do Secretariado da Aeronaútica Civil, tem elogios, tem falhadas tentativas de humor. Actualizei a ortografia e corrigi um ou outro erro gramatical.

AOS/CP - 95

Senhor Presidente

Mão amiga acaba de me enviar por via aérea o jornal com o discurso de V. Exc.ª no Porto.
V. Exc.ª recebeu decerto centenas de cartas e daí, provavelmente, ao ver do que esta trata, nem a lerá, pelo menos por falta de tempo.
No entanto escrevo-a para dizer quanto me sensibilizaram certos passos do discurso. Notáveis as duas deduções que terminam, uma "sou um homem independente"; outra "sou um homem livre".
Um convencional com poucos amigos - talvez porque no serviço os trato sensivelmente por igual com os outros - conhecido por V. Exc.ª creio, como homem pouco rasteiro, julgo não tomará esta carta como a rotina do funcionário ou o salamaleque do cortesão.
De resto, um pouco como V. Exc.ª, ganhou os galões por via direita e sem coleira ou coleira folgada, de mais quando V. Exc.ª parece avisar que se vai embora, muito lamentaria se nesse sentido a tomasse.
Não, esta carta mesmo, é muito mais para o homem, Dr. Salazar, do que para o Presidente do Conselho, embora não seja fácil definir onde acaba um e começa o outro.
Servi duramente, apaixonadamente, mais de 10 anos, com V. Exc.ª e demiti-me ( eufemismo de V. Exc.ª preparou-me a exoneração) e saí com um frio "zelo e dedicação" na portaria. Não guardo a mais pequena reserva pelos indícios de que não serei completamente a seu contento, a despeito de começar ridiculamente com 4 adjuntos e 4 funcionários de carreira, e ter deixado um vasto embrião duma obra e aberta a linha imperial - sonho de anos.
É a vida. Há que aceitá-la.
As qualidades, a honestidade do Homem que presidia ao Governo - e que até aceitou de boa mente que eu lhe arruinasse um dia de guarda( o de Natal de 1946, salvo erro) por causa dum avião francês que pedia para parar pelos Açores - salvou tudo o mais que nos fira por nos parecer injusto ou menos justo.
Em resumo: se ainda fosse de chorar, os olhos ter-se-me-iam humedecido ao ler a prosa forte do discurso.
É de Homem: claro, concreto, analítico, franco e até honestamente orgulhoso.
Tudo tem defeitos, desde os homens aos regimes. Parece ser uma lei divina para nos forçar a trabalhar. Mas, apesar disso, mesmo para os que sabem que é o sentimento e não a lógica que governamo mundo da política, faz bem ouvi-lo declarar, ao mesmo tempo que se diz sinceramente ter-se feito uma tentativa de impôr a lógica, o bom senso, o sentido das realidades, a adaptação variável a cada país e a cada época de governo que sem ser analiticamente o melhor, é um dos que praticamente trouxe palpáveis resultados internos e externos.
Através de uma outra carta que recebi (de donzela, amiga da casa, que pela idade acaba de conquistar o direito ao voto) avalio da efervescência que vai pelo país. Diz a donzela, culta, fazendo filosofia e um pouco de literatura, que o seu"espírito inquieto" (como o dos passarinhos) "oscila à procura da claridade" (apesar de tanto sol haver no nosso país..) e deseja ouvir-me para lhe esclarecer (não esperava eu, sinceramente, ter de dar consultas grátis nesta matéria).
Respondi-lhe sucintamente que o diabo nestas coisas era a experiência das democracias post-guerra evolucionarem rapidamente para sistema análogos aos do fim da República espanhola, durante a qual, em Valência, o comité revolucionário levou o seu alto espírito de LIBERDADE a passar "vales para una noche para una novia"a fim de liberalmente dar conforto moral ou físico, às mílicias republicanas, que pelos vistos se esqueciam da liberdade de vontade de metade do género humano: a metade frágil...
Que aplicasse el cuento, a donzela.
E linda. Estou tendo o despeito que V. Exc.ª um dia apontou - dessa vez parece-me que injustamente : exuberante.

Respeitosos cumprimentos

Que Deus guarde V. Exc.ª

Humberto Delgado

Sabia que

Sabia que é mais barato comprar uma viagem de ida e volta a Paris que pedir a reprodução de documentos na Torre do Tombo ? Pela viagem paguei simpáticos 60 euros. Por 180 fotocópias de documentos do Arquivo Salazar paguei obscenos 62 euros.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

Fiasco de jesuíta

Com formidável companhia, fui lanchar a Santo Tirso, cidadezinha que não conhecia, cuja jóia arquitectónica - igreja e convento de São Bento - está bem conservada e utilmente aproveitada. Para me sentir um pouco romano em Roma, impunha-se provar o famoso jesuíta. Sabia que era impossível o jesuíta de Santo Tirso ser mais saboroso que o jesuíta de Guimarães. Mas ignorava e surpreendeu-me que fosse um bolo quase intragável: sem recheio, sem canela, secas camadas triangulares de massa folhada cobertas por demasiado acuçar. O fiasco serviu-me de lição: jesuíta nunca mais.

terça-feira, 3 de outubro de 2006

O melhor de Portugal I

Enquanto escrevo, enquanto combato os efeitos da degradação da memória, essa imprescindível sacana, ouço a terapêutica Antena 2. Não é preciso ir ao São Carlos ver uma ópera ou ir à Gulbenkian ouvir uma orquestra, não é preciso ensinar no Conservatório ou tocar violino, para se ouvir com prazer a Antena 2 : basta ter rádio, elementar bom gosto e querer cultivar a calma. Ouvir a Antena 2 é ouvir a existência de um serviço público português de excelência. Sem enfadonhas repetições de notícias, sem publicidade obtusa, sem radialistas que se acham engraçados sem o serem.

Descoberta cinco estrelas

Ena!!! Deambular pela Internet tem, não raras vezes, maravilhosos resultados : acabei de topar com o site http://www.isn.ethz.ch , cuja infindável informação topo de gama merece mais do que uma espreitadela. Vou precisar de mais uma vida para devassar este tesouro. Enquanto não me é outorgada, massivas descargas de documentos em pdf.

A vingança da caloira

Transcrevo parte de uma notícia que acabei de ler no site do Público : " Uma ex-caloira do Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros que se queixou de abusos nas praxes em 2002 pede uma indemnização de quase 70 mil euros ao estabelecimento de ensino, anunciou hoje a aluna.
Em declarações à Lusa, Ana Sofia Damião disse sentir-se "lesada" pela forma como a direcção do Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros conduziu o caso e quer ser ressarcida por alegados "danos morais e patrimoniais". Só me ocorre dizer força Sofia, torço por ti, quem é humilhado e ofendido quando devia ser bem recebido merece reparação financeira, quem tolera e promove a prática da selvajaria praxista merece ser condenado. Torço por ti Sofia, mas parece-me improvável, complicado, que consigas a indemnização : o julgamento vai ser realizado em Macedo de Cavaleiros e é de admitir que também os tribunais não sejam imunes ao nosso tão português os amigos são para as ocasiões.