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quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

D. Carlos


Se lhe faltassem talentos, se desprezasse Portugal, não o teriam assassinado. D. Carlos, o rei que pintava, que caçava, que estudava o mar, que criava gado, e que era obrigado pela Constituição a trabalhar com políticos que o atacavam e denegriam porque "competiam ferozmente pela ascendência dentro da elite política". Com D. Carlos morreu mais que uma tentativa de regeneração do sistema. Morreu o liberalismo em Portugal. Até hoje.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Um sábado

Como gastar a tarde de um sábado? Segue-se uma abreviada e miserável descrição: evitar a companhia feminina; acordar quando se devia já ter almoçado; ser arrastado para a rua por um cão frenético; comer mecanicamente para pacificar o estômago sobras do jantar; fumar sucessivos cigarros porque os lábios inquietos e porque os cigarros um entretenimento; submeter-me às exigências da higiene e do temperamento e lutar contra o pó que parece removido mas logo se acumulará triunfante; engolir uma aspirina para cessar a enxaqueca que não massacra mas complica o alinhavar fácil de informação aos clientes que se fingem interessados; nenhum pensamento digno desse nome; apenas este texto indiscreto e que não merecia leitura.

Força Marinho

"Existe em Portugal uma criminalidade muito importante, do mais nocivo para o Estado e para a sociedade, e que andam por aí impunemente alguns a exibir os benefícios e os lucros dessa criminalidade e não há mecanismos de lhes tocar. Alguns até ostensivamente ocupam cargos relevantes no Estado Português", afirmou Marinho Pinto, bastonário dos advogados, à Antena 1.
Seria agora muito conveniente e estimulante que o senhor bastonário fornecesse indícios, facultasse provas, revelasse nomes. Que a nossa classe política é incompetente, e que enriquece graças aos privilégios, favores e negócios da coutada estatal que para si reservou, já nós há muito o sabemos.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Don´t forget

Ao blogue de Jaime Nogueira Pinto, e outros, como o muito legível Marques Bessa, fui buscar uma frase judiciosa, de muito duradoura validade:
"A Government big enough to give you everything you want, is a Government big enough to take from you everything you have!"

Gerald Ford (1913-2006)

O blogue é http://ofuturopresente.blogspot.com, pouco recomendado a esquerdistas moralizantes, sem humor e memória.

Era uma fábrica

Era uma fábrica que produzia munições, explosivos e granadas, que era gerida por coronéis obrigados ao lucro, e que dava trabalho a centenas de operários. Com o fim da guerra do Ultramar, a fábrica acumulou prejuízos, tornou-se desnecessária e foi extinta. Hoje, enquanto aguarda a decisão sobre mais um projecto imobiliário de luxo, alberga uma livraria com várias salas que têm o nome de filósofos, onde podemos beber licor de uísque e folhear Nietzsche, apalpar R. Aron e escolher o Desassossego. Na livraria há ainda D. Bowie quando jovem em ecrã gigante, há descarados quadros que nos lembram as consolações do sexo, há pianos que se tocam, há corredores propícios aos beijos, aos cigarros e à palheta, há um vaivém de gente que convive animada. A livraria convida a estar e merece a publicidade. Gratuita, que eu, desgraçadamente, não sei ganhar dinheiro e gosto de gostar de sítios.
Para mais informações, ver : http://www.bracodeprata.org/

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

C.

Uma pessoa com notáveis qualidades, que às vezes se sente "estupidamente triste", lembrou-se de me prendar e envaidecer com um poderoso poema que não mereço. O poema sim, merece partilha e atenção.

Adeus Português

Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo
pelo túnel de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Mas tu não mereces esta cidade
não mereces esta roda de náusea
em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira da cidade
onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti

Alexandre O'Neill

O pintas

Acabo de ler na gloriosa Internet uma pérola, proferida pelo juiz desembargador Alexandre Coelho, a propósito do conteúdo de uma entrevista dada por um espanhol preso preventivamente em Monsanto. Interrogado pelo DN sobre as afirmações do detido - que apelidou a prisão de Monsanto como a "Guantanamo de Portugal" - o juiz, com o primário patriotismo ferido, entende que um "detido, nacional ou estrangeiro, não será a melhor voz para avaliar um sistema em que o próprio está inserido". Para este juiz que parece desprezar o empirismo alheio , eu e a leitora, por exemplo, que nunca visitámos uma prisão, que nunca estivemos presos, seremos, porque pessoalmente desconhecedores da realidade prisional, melhores vozes para avaliar uma prisão.
Para este juiz, dotado de uma lógica que posso com intencional exagero apelidar de miserável, "um detido ou um recluso não deveria proferir declarações de avaliação" porque "não é isento", porque "a sua credibilidade está obviamente afectada". Ele, pelos vistos, que integra o topo do sistema, pode fazer declarações, e nós só podemos concluir que também ele não é isento nem credível, embora se tenha em muito boa conta. O mundo premeia gente assim.