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sábado, 26 de fevereiro de 2005

Os tristes

Há pessoas irremediavelmente tristes. Estão naquela zona cinzenta: não adoram a vida, não a detestam, suportam-na porque estão habituados a viver. Não culpam o mundo, não se queixam dos outros, não inventam uma obscura conspiração que se diverte a tramá-los, sabem que são os responsáveis da sua decadência, queriam mudar mas não conseguem, queriam sentir uau a vida é formidável, mas concluem que porra a vida uma decepção permanente, não há maneira de embalar, de engatar, continuam vivos quase por inércia, talvez por não conseguirem desesperar-se, talvez pela remota esperança de um dia acordarem com outro feitio. Sem o pretenderem, sem a intenção consciente, são os desdenhosos da vida, os vencidos que ainda nem sequer tiveram que suportar complicados sofrimentos. Têm um mérito, estes sacanas: sabem esconder-se, sabem não contagiar.

D. Jaime

D. Jaime é mestre de esgrima em Madrid. Tem 56 anos e acha-se velho para mudar de hábitos. Ensina uma arte a cair em desuso, ameaçada de anacronismo. Na frescura do café Progreso participa numa tertúlia diária "onde cada um dos seus membros encontrava tacitamente nos outros a consolação de saber que o seu próprio fracasso não era um facto isolado, antes era compartilhado em maior ou menor medida pelos restantes." Enquanto a tertúlia resmungava e se provocava trocando opiniões opostas, D. Jaime pensou acertadamente "que era impossível não encontrar uma sombra agridoce de mulher no escuro recanto da memória de qualquer homem."

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005

Cesário

Cesário Verde nasceu a 25 de Fevereiro de 1855 na Baixa de Lisboa. Morreu aos 31 anos, de tuberculose, a tuberculose que já lhe havia levado uma irmã e um irmão. O seu talento passou quase incógnito na época, mas a posteridade não despreza quem a merece. Deixo um poema extraído da sua Poesia Completa.

NUM ALBÚM

I

És uma tentadora: o teu olhar amável
Contém perfeitamente um poço de maldade,
E o colo que te ondula, o colo inexorável
Não sabe o que é paixão, e ignora o que é vaidade.

II

Quando me julgas preso a eróticas cadeias
Radia-te na fronte o céu das alvoradas,
E quando choro então é quando garganteias
As óperas de Verdi e as árias estimadas.

III

Mas eu hei-de afinal seguir-te a toda a parte,
E um dia quando eu for a sombra dos teus passos,
Tantos crimes terás, que eu hei-de processar-te,
E enfim hás-de morrer na forca dos meus braços.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005

Um anjo

Ajudo duas senhoras, que pareciam ser inseparáveis irmãs, franzinas e muito fragilizadas por muitos anos de vida, a sair do autocarro com os sacos das compras, e as senhoras, exageradamente, você é um anjo, você é um anjo. Não consegui dizer-lhes que estavam enganadas.

Era una mujer

"Era una mujer que pensaba como una mujer, hablaba como una mujer, se comportaba como una mujer."

sábado, 19 de fevereiro de 2005

Polícias

Foi assassinado um agente da PSP. A morte foi aproveitada para críticas: como a morte de um colega perturba emocionalmente, e o ministro e o director nacional estão de saída, alguns polícias, mais sindicalistas que polícias, sabendo da tara das televisões pela exploração das desgraças, quiseram-nos fazer crer que ser polícia em Portugal é uma actividade ingrata: perigosa, pouco valorizada pela sociedade e mal remunerada.
Claro que a morte do agente é parcialmente imputável a deficiências internas da PSP: decidir o patrulhamento nocturno de um bairro hostil e perigoso apenas por dois agentes numa viatura não blindada é um erro. Mas a finalidade das queixas ultrapassava a condenação pública da imprevidência operacional das chefias. Atingia a essência da profissão. Os polícias que ouvi pareciam querer que se decretasse a inocuidade da profissão, tipo somos honrados funcionários públicos, exigimos total segurança laboral, é inaceitável que um dos nossos possa ser assassinado. Que diabo, é funcionalismo público, mas comporta riscos. Quem não os quer correr que escolha outra profissão: quem é polícia sabe ou deveria saber que pode ser morto em serviço. É inevitável, decorre da sua missão: os polícias combatem o tráfico de droga e este não é feito por gente desarmada e seguidora de Ghandi. Prejudicados nos seus negócios, os traficantes às vezes matam polícias.

Sócrates confia em mim

O engenheiro Sócrates, próximo Chefe do Governo, escreveu-me a dizer "confio em si". Não estava à espera. Eu nunca estive na companhia do senhor. Nunca bebemos café, nunca nos cruzámos na rua, nunca trocámos meia dúzia de banalidades, nunca lhe organizei o arquivo. Passada a surpresa, tentei pensar um pouco. E raciocinei o elementar: se ele não me conhece, não pode confiar em mim. Afirmar que confia em mim é prova evidente de ingenuidade ou de mentira. Ora, com tantos anos de política no currículo, a ingenuidade do engenheiro parece-me improvável. E pronto, Sócrates diz que acredita em mim, eu não consigo acreditar que ele acredite e continuo teimosamente a não acreditar nele. Saiu-lhe o tiro pela culatra: é o que acontece quando nos elogiam disparatada e injustificadamente.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

Besos

"Ocurre con los besos como con las confidencias: se atraen, se aceleran, se acaloran unos a otros."

sábado, 12 de fevereiro de 2005

"Es una mujer de tal belleza que hasta da miedo mirarla"

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2005

Em crise

Este blogue está em crise. Desinspirado, perdeu fluência e perdeu capacidade comunicativa. Os dias sucedem-se e as frases em greve. O verbo carente, as ideias a dormir, as opiniões cansadas.Idealmente, deveria haver sempre algo para escrever. Se as facturas fossem pagas com os euros resultantes do dever de escrever outro galo cantaria. Ante a falta do estímulo remuneratório, quando a escrita resulta do apetite inconstante e da necessidade incerta, escrever com regularidade é impossível. Ao contrário do que se diz para animar a malta, querer não é poder.