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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Pensar as eleições

A explosão da crise financeira do Estado ainda não produziu uma reflexão sobre os seus alicerces. A má gestão do Estado é incontroversa. Despesas descomunais e supérfluas, endividamento galopante, serviços medíocres ou desnecessários. O Estado transformado em agência de emprego das clientelas partidárias e em agente de negócios com quem financia os partidos. O Estado adulterado que massacra e empobrece o País com impostos. Incapaz de se regenerar. De reconhecer a incapacidade e delegar em quem saiba, como o ensino o prova. O facciosismo cega. A desonestidade é teimosa. Tudo isto é do comum conhecimento, negado apenas pelos seus promotores e beneficiados.
Ora, nesta "hora de gravidade" nenhum comentário ou discussão topei sobre a validade dos mecanismos que permitem que o Estado seja gerido por pessoas sem preparação técnica e sem categoria moral. Continua a ser aceitável e acertado que qualquer criatura possa chegar ao Governo. O sagrado voto legitima e confere a dignidade para o cargo. Eleger o chefe do Governo, mediante a eleição de 250 deputados, continua a ser inalienável. Não basta eleger o Presidente da República. A crença arreigada de que as liberdades exigem o circo da participação popular. E as eleições geraram Sócrates. Que entretanto falhou as suas promessas, que há-de entregar o barco bem pior do que o recebeu. Não cumprir é coisa inofensiva. Mentir reiteradamente não afecta a legitimidade democrática. O contrato só pode ser rasgado pelo subscritor a quem a tropa e os polícias devem obediência. E Sócrates não é um acidente. É a coroa de um sistema assente na irresponsabilidade, na impunidade, na demagogia A culpa não é só do demagogo. E quem o parece travar são poderes estrangeiros que os portugueses não elegeram. A soberania popular é uma ficção caríssima.

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Democracia

"The best argument against democracy is a five-minute conversation with the average voter."

W. Churchill

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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Não lhe dou cavaco

Cavaco anunciou que quer continuar Presidente. São mais cinco anos cheios de compromissos, de viagens pelo "país real", inaugurando, discursando, sorrindo, para excitação da província; uma agenda cheia que na velhice é coisa preciosa para dela se distrair um pouco. Ganhará sem o meu voto. Além de inútil, seria imerecido: Cavaco confiou no Governo, proporcionou-lhe todas as "condições de estabilidade"e o Governo fez-se surdo aos seus apelos e avisos. Foi enganado e aguentou Sócrates. Não percebeu a evidência de que o interesse nacional exigia prioritariamente a remoção de Sócrates. É também, por isso, responsável pelo descalabro. No dia das eleições, vou passear com a Sandra.

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Marcello


Marcello Caeteno morreu há 30 anos. A sua envergadura intelectual, a sua competência catedrática, o ministro da presidência que coordenou o II plano de fomento, o chefe do Governo que voltou da visita aos territórios ultramarinos maravilhado com o seu crescimento e decidido a não os abandonar, que alargou a previdiência; o exilado amargurado que não desculpou as deslealdades, o orgulhoso indignado com a destruição da obra de "progresso em paz", justificam a lembrança.

Em finais de 1943, Marcello, então comissário-nacional da Mocidade Portuguesa, escreve a Salazar, preocupado e "desiludido" com o que observa e sente. Os custos materiais da neutralidade diminuíam a popularidade do regime. As importações tinham que ser duramente negociadas com os ingleses. Havia dificuldades no abastecimento alimentar e nos transportes, rebentavam greves na cintura urbana de Lisboa, o aparelho corporativo prodigalizava deficiências. Salazar tinha nos trabalhos diplomáticos a sua prioridade. Marcello, com exagero, alertava e criticava.


"Senhor Presidente


Desculpe-me esta nova carta. As outras não foram muito bem sucedidas - e os factos demonstram que foi pena. Mas volto a insistir: era e é necessário cuidar do ambiente moral do País, que está péssimo. Péssimo.

o Governo tem-se mantido, alheado da Nação: não atende, não explica, não apoia, não incita, não dirige. As pessoas mesmo que têm responsabilidades de comando vivem sem directivas. Os descontentamentos são gerais, antigos e descurados: estão descontentes o Exército, a Marinha, a GNR, a Polícia, o funcionalismo... E tudo se deixa andar, e todas s soluções vêm tarde e a más horas, e o Governo só se afirma na repressão... Desprestigiou-se a organização corporativa, deu-se cabo dos Sindicatos Nacionais, abandonaram-se homens e princípios: não admira, por isso, que no momento de crise só se veja tudo a aluir - este panorama terrível de cobardias e de defecções.

Têm ocultado a V. Ex.ª o verdadeiro estado moral do País? O entusiasmo geral pela Rússia? A oposição ao Governo? Só assim se explica que nos momentos graves o Secretariado da Propaganda Nacional se limite a exibir bailados e a Emissora Nacional pouco mais dê que música de dança.

Os métodos de repressão indiscriminada e brutal não são de força. A força é segura de si, equilibrada e justa. Não deixe V. Ex.ª que os seus colaboradores percam esta noção.

E creia na sinceridade do desiludido mas fiel

Marcello Caetano

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